14 de jun. de 2010

Os trabalhadores não devem fazer qualquer sacrifício por causa da crise

Aleka Papariga*

 Apesar do tempo decorrido, este discurso de Aleka Papariga proferido na abertura da conferência de imprensa de lançamento da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, não perdeu actualidade, como a luta do povo grego o demonstra diariamente.

Quero pedir-lhes que recordem que, há já alguns meses, o Comité Central do Partido Comunista da Grécia (KKE) publicou a Declaração para as eleições para o Parlamento Europeu. Esse texto teve que ser actualizado, já que no entretanto rebentou a crise. O texto final da Declaração Eleitoral foi publicado como suplemento do «Rizospastis» do dia 29 de Março de 2009.

Também me permito recordar-lhes que a Declaração Eleitoral não se limita a expor a nossa análise, ou apenas um exame dos acontecimentos, ou das posições do KKE. Inclui também objectivos específicos e frentes de luta, tal como a posição do Partido face a questões gerais que, poderíamos dizê-lo, afectam as questões específicas. Por isso, quem ler a declaração poderá ter, simultaneamente, uma visão global e específica dos objectivos e propostas do KKE para a classe operária e para os outros sectores populares.

Queria destacar alguns assuntos gerais que determinam a nossa posição face a questões mais importantes e específicas. As eleições para o Parlamento Europeu (PE) devem ser consideradas como inextrincavelmente ligadas à crise na Europa e na Grécia. Especialmente agora, quando a crise afecta a Europa e a Grécia, o KKE deve ser ainda mais forte na sua movimentação, na luta, nas urnas. Este Partido é um partido firme, experimentado e foi posto á prova a nível nacional e europeu.

A CLASSE OPERÁRIA NÃO DEVE FAZER QUALQUER SACRIFÍCIO POR CAUSA DA CRISE

Todos nós devíamos ter em conta que, contrariamente ao que nos vêm dizendo, a União Europeia (UE) não pôde evitar a crise nem conseguiu a convergência ao nível do desenvolvimento entre os povos, nem tampouco assegurou um rumo ascendente do nível de vida. Mais, também não pôde garantir a paz, a democracia, o desenvolvimento cultural – que também melhora a vida de todos nós –, a segurança no presente nem evitou a incerteza no futuro.

Não há qualquer possibilidade de sair da crise numa Grécia onde os monopólios, e o capital em geral, são dominantes, nem numa Europa dos monopólios. Os outros partidos e governos dos Estados membros da UE defendem que há uma saída para a crise que serve simultaneamente os interesses dos capitalistas e os interesses do povo. Isto não é realista. Realista é a posição do KKE: os trabalhadores não devem fazer qualquer sacrifício por causa da crise; dentro da UE não pode haver qualquer saída favorável aos trabalhadores. Para encontrar essa saída tem de existir uma frente de luta favorável à classe trabalhadora e ao povo, a nível nacional e a nível europeu. Os povos devem enfrentar a UE e os governos nacionais, que estes sejam liberais, sociais-democratas ou do chamado centro-esquerda.

Na nossa opinião, a UE só merece um nome: o de gendarme europeu dos lucros dos monopólios em toda a Europa e em cada um dos países. A UE não é mais do que a cooperação entre países, e a fim de coordenar os interesses da burguesia e dos monopólios com sede nos seus países para estender a sua acção a toda a Europa e para além dela. Sob este ponto de vista, os que querem lutar contra a UE, condená-la e inclusive defender que a Grécia nela não tem futuro, e que deveria escolher o caminho da ruptura e a separação, têm expressar-se através do KKE. Deveriam castigar a ND, o PASOK e não confiar nos partidos que criticam tibiamente a UE, como é o caso do SYRIZA. Quando o movimento reflui e amaina o descontentamento popular, eles apoiam totalmente a UE. Quando o povo se levanta reforçam as críticas, limitadas a uma fraseologia de esquerda. O mesmo sucede com o LAOS, que promove no seio do povo posições conservadoras. O LAOS não aceita nenhuma medida, nem sequer a imposição de impostos às empresas. Em qualquer caso, não aceita redução alguma dos seus lucros. É um partido racista, nacionalista, um partido que representa o passado.

O CRITÉRIO PRINCIPAL DEVE SER A POSIÇÃO DOS PARTIDOS FACE AO TRATADO DE MAASTRICHT

Para os partidos, critério principal terá de ser a sua posição face ao Tratado de Maastricht. Os trabalhadores não podem considerar o Tratado de Maastricht como uma questão do passado nem argumentar que nos estamos a regressar ao ano de 1992 quando o debatemos. A situação actual em toda a Europa não é apenas uma consequência do tratado de Maastricht, é o próprio Tratado de Maastricht em si mesmo. Todos os tratados que se seguiram desenvolveram as suas directivas gerais. Permitam-me que lhes recorde que o KKE foi o único partido que, sob condições duríssimas, não seguiu a corrente dominante na Europa. Estamos orgulhosos disso, temos orgulho por ter votado contra o Tratado de Maastricht. Em Julho de 1992, o Parlamento grego ratificou o Tratado de Maastricht, que estabeleceu as bases do mercado comum interior. As fronteiras interiores da UE foram abolidas para favorecer os lucros dos monopólios. No entanto, apenas foram abolidas nas palavras, e só para o capital. As rivalidades entre as burguesias da Alemanha, da França e de Inglaterra continuam a existir. Mas «quatro liberdades» estão estabelecidas, isto é, a livre movimentação de pessoas, serviços, bens e capital.

Que disseram então os representantes da ND, do PASOK e do SYNAPISMOS? Kostas Mitsoakis, então Primeiro-Ministro, disse: «Volto feliz e orgulhoso. Em Maastricht conseguimos o que queríamos. Em primeiro lugar, a segurança garantida pela unidade política da Europa e a nossa participação na UE, que atingimos, apesar de uma grande número de reacções.»

O povo da Jugoslávia poderia responder a isto! Porque quando falamos de segurança não podemos referir apenas à segurança de uns quantos países, mas a de todos. Desde logo, quando falamos de segurança falamos da segurança das pessoas, que não devem sentir-se ameaçadas pelo desemprego, pela pobreza pela deterioração dos seus direitos e do seu nível de vida.

Andreas Papandreou, que então era presidente do PASOK e estava na oposição, disse: «O PASOK votará a ratificação do Tratado de Maastricht. Naturalmente os princípios orientadores propostos constituem a visão de quem gere o Banco Central Europeu, mas apesar disso votaremos a favor do Tratado de Maastricht». Por outras palavras, fazemos as críticas para deitar poeira para os olhos das pessoas e mas depois votamos o tratado!

Idêntica foi a posição do SYNAPISMOS. Mas vejamos o que diz hoje o presidente do SYNAPISMOS, supostamente mais responsável: «então, o importante para nós», ou seja quando o SYNAPISMOS votou a favor do Tratado de Maastricht, «era escolher entre recusar totalmente a unificação, a integração da Europa, ou mostrarmo-nos tolerantes com essa unificação, criticando a forma como ela se produziria. Escolhemos a segunda via.» 

O caminho fácil! Voto a favor, depois faço as críticas e acredito que dessa forma ainda posso conseguir alguma indulgência. A conclusão é que a ND e o PASOK contribuíram e participaram activamente em todas as decisões da UE.
Devemos aqui deixar as coisas claras. A UE não impõe as suas políticas por sua própria conta. Trata-se de decisões mútuas, e isto é o mais importante. Definitivamente, ninguém pode impor a quem quer que seja o que não quer. Trata-se de decisões bilaterais.

Gostaríamos de acrescentar alguma coisa mais. A UE não é apenas um mercado comum. Existe o Euro Exército, que é o pilar europeu da NATO. Esta é uma questão crítica. A ND e o PASOK estiveram de acordo na fundação e reforço do Euro Exército, tanto no governo como na oposição. O SYNASPISMOS ofereceu um apoio substancial ao Euro Exército desde o primeiro momento. De acordo com o SYN, «a fundação do Euro Exército é importante, na medida em que se relaciona com a integração política e a independência da Europa».

E mais, quer um Euro Exército que promova a integração e a independência da Europa. Independência de quem? Dos Estados Unidos. Mas a Europa é independente dos Estados Unidos! Apesar disso, não é ideológica e politicamente independente do imperialismo. Mas esse é outro assunto. Então, para que é que querem o Euro Exército? Para ameaçar os Estados Unidos na luta pelos mercados. Além de que metem o Euro Exército na política de integração. O Euro Exército é imperialista, isso está claro. E o que na realidade continua a ser é o pilar europeu da NATO. A própria UE estabelece: «não é necessário para a NATO ir a todas as partes, nós podemos ir na sua vez». Já vimos na prática este papel, não é necessário perder tempo com detalhes.

Além disso pensamos que a batalha das eleições para o Parlamento Europeu deveria ter o mesmo conteúdo da batalha das eleições nacionais. Há diferença entre as duas batalhas? Se existe diferença, na nossa opinião ela não é determinante. A primeira batalha é para a eleição do Parlamento nacional e a segunda para a eleição do Parlamento Europeu. Em ambos os casos é necessário condenar a política da UE. Também nas eleições nacionais é preciso condenar a política da UE. É importante condenar a ND e o PASOK. E os partidos que tentam tornar mais conservadora a consciência popular ou prevenir a sua radicalização, não devem ser contemplados como uma alternativa.

A UNIÃO EUROPEIA É UMA ALIANÇA DEPREDADORA

A condenação à UE é um «caminho sem retorno». Mas queremos destacar a questão seguinte: os mitos que foram postos em evidência nos últimos anos. Hoje não há qualquer desculpa. Há poucos anos, era explicável a fé em algumas das promessas falsas e nos mitos. Hoje já não há essa desculpa. Realmente, a UE é um caminho sem retorno, mas só para os interesses da plutocracia dos Estados membros e dos partidos que os servem. É evidente que a desvinculação da Grécia da UE criaria problemas ao capital grego, que se veria privado de todo esse arsenal, concretamente da legitimação e do apoio da UE. Por isso eles qualificam de «caminho sem retorno» para a defesa dos seus interesses, como se fosse caminho sem retorno para o povo.

A nossa posição, que a Grécia e o povo grego podem encontrar o seu próprio caminho através da luta que começa, no mínimo, na desobediência e na indisciplina, e culmina na ruptura substancial com a própria EU, é realista. Acreditamos que a cooperação europeia só será benéfica quando não houver plutocracia no maior número possível de países da UE e, naturalmente, quando ela acabar em toda a Europa. E quando a Europa for socialista, poderemos então falar da Europa da cooperação, da união voluntária dos povos da Europa e pelo poder das armas e dos mitos dos fundos. Então, os povos entrarão voluntariamente, porque uma Europa assim servirá os seus interesses e não a de alguns acordos financeiros.

A União Europeia não é uma irmandade, mas uma aliança depredadora. Quando foi criada a Comunidade Económica Europeia, essas forças reuniram-se na base da sua oposição, da sua luta, do seu ódio ao sistema socialista. Hoje em dia, batem-se, conjuntamente, para aumentar a exploração dos povos e o fortalecimento da UE à custa dos povos, para reclamarem o seu quinhão fora da Europa, na América Latina e noutros lugares, contra os EUA, mas também contra o crescente poder dos capitais regionais.

A União Europeia é uma fraternidade quando toma decisões comuns contra os povos. Por exemplo, agora, no quadro da crise, a França concorre com a Alemanha, a Alemanha dá-se bem com a Rússia e a Grã-Bretanha «pisca o olho» aos EUA. Apesar de a princípio os antigos países socialistas agora membros da União Europeia, suplicassem a adesão à UE, agora procuram o apoio dos EUA, a fim de obterem mais fundos para os seus empresários, para a sua própria classe
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É um mito os fundos comunitários terem salvado a Grécia. Se a Grécia não estivesse comprometida com a UE, se fosse uma Grécia de poder popular, de poder operário, com a economia e a sociedade organizadas de acordo com as necessidades humanas e não em função dos lucros não teria receitas? Não teria dinheiro? 

Concentraria a riqueza e esta pertenceria ao povo.

INDISCIPLINA E DESOBEDIÊNCIA 
 
Naturalmente que podemos perguntar: «é possível a Grécia ser auto-suficiente e viver fechada em si mesma»? Pensamos que isto não é possível neste mundo. Em todo o caso, a Grécia podia lutar por relações de igualdade e mutuamente vantajosas com outros países, tirando vantagens das contradições entre países capitalistas e utilizando os resultados positivos que, progressiva e gradualmente, se irão dando na Europa e no mundo, já que a Grécia não será o único país a confrontar-se com a UE. Tais confrontos, de maior ou menor profundidade, desenrolar-se-ão durante os próximos anos na Europa e fora dela. Sair da Europa será muito pior para o capital, mas muito melhor para o povo grego.

Este é o principal ponto que vamos tentar deixar bem claro durante a campanha eleitoral. Vamos ilustrar isto com dois exemplos.

Primeiro: As subvenções aos agricultores, que tiveram vida curta, foram-lhes atribuídas para que vendessem os seus produtos a baixos preços aos fabricantes e outros industriais.

O segundo exemplo. Todos esses famosos programas sociais: programas sociais para «serviços de assistência ao domicílio», «cuidados escolares» ou programas que empregavam mulheres como polícias de trânsito. As pessoas empregaram-se nesses programas com fundos europeus e, quando os fundos acabaram, a responsabilidade foi assumida pelos municípios. Estes disseram que não tinha dinheiro, não pagaram os salários e por aí fora.

Por tudo isto, dirigimos o nosso apelo a unirem-se connosco, inclusive aqueles que não coincidem connosco nos temas do poder popular, da economia popular ou da ruptura. É necessário mostrar a vontade de contra-ataque, de reorganização do movimento de condenação.

Permitam-me que, uma vez mais, diga que não é necessário estar de acordo connosco em tudo. Além disso, não podemos manipular as pessoas, mas podemos estar de acordo na indisciplina e na desobediência.

Um exemplo mais: O que é que se vai passar com o aumento da idade de reforma da mulher para os 65 anos? O que acontece é nojento. O PASOK e a ND, os seus porta-vozes da GSEE (Confederação Geral de Trabalhadores da Grécia) e a ADEDY (Administração Grega Superior de Sindicatos de Funcionários) e outros procuram fórmulas legais para sair do impasse. Esta questão está relacionada com a política, a luta de classes e a sociedade. A tendência geral é que as pensões cheguem aos limites de 65, 67, 71 anos. Isto não tem nada a ver com igualdade entre sexos. Pelo contrário, esta equiparação entre os sexos constitui um indicador de desigualdade. Há razões biológicas e sociais que a proíbem. Diminuir a idade de reforma para homens e mulheres não é a mesma coisa. Haverá, e deve haver, em socialismo uma diferença de 5 anos na idade de reforma dos homens e das mulheres.

Indisciplina e desobediência para que medidas destas não sejam aplicadas. É isso o que dizemos. E esta posição é mais realista que dizer que têm de aguentar e encontrar caminhos alternativos para ganhar tempo. Por último, isto é o que o PASOK também reclama, que os direitos das pessoas, particularmente os que estão perto da idade da reforma, não sejam afectados. Ao dizer isto o PASOK está a tentar eludir o facto de a idade geral da reforma já ser para todos os 65 anos. Pensamos que as nossas Teses interessam às pessoas. As nossas posições, que constituem as nossas armas, serão amplamente debatidas até às eleições.

* Aleka Papariga é Secretária-geral do Partido Comunista da Grécia (KKE)

** Título da responsabilidade de odiario.info

Este texto é o discurso de abertura proferido por Aleka Papariga na conferência de imprensa de lançamento da campanha eleitoral às últimas eleições europeias, em 30 de Março de 2009.

Tradução de José Paulo Gascão

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