26 de ago. de 2011

Propaganda de guerra pelos jornais e televisão: “Jornalistas devem ser julgados pela Justiça Internacional”

A propaganda de guerra entrou em nova fase, e hoje envolve ação coordenada de estações de TV por satélite. CNN, France24, a BBC e a rede al-Jazeera converteram-se em instrumentos de desinformação, usadas para demonizar governos e governantes e justificar agressões armadas. Essas práticas são crimes tipificados na legislação internacional. É preciso pôr fim à impunidade desses criminosos ‘midiáticos’.

A informação processada e distribuída sobre a Líbia e a Síria marca um ponto de virada na história da propaganda de guerra, e os meios usados tomaram de surpresa a opinião pública internacional.
Desenho de alunos, em Trípoli [no lixo, o logotipo da rede Al-Jazeera]

Quatro potências – EUA, França, Reino Unido e Qatar – somaram seus meios técnicos para intoxicar a “comunidade internacional”. Os principais canais usados foram a CNN (embora privada, interage com a unidade de guerra psicológica do Pentágono), France24, a BBC e a rede al-Jazeera.

Esses veículos estão sendo usados para atribuir aos governos da Líbia e da Síria crimes que não cometeram, ao mesmo tempo em que trabalham para encobrir os crimes que estão sendo cometidos pelos serviços secretos daquelas potências bélicas e pela OTAN.

Assistimos a golpe similar, em menor escala, em 2002, quando os canais Globovisión da Venezuela distribuíram imagens do que seria (mas não era) uma revolta popular contra o presidente eleito Hugo Chávez e imagens de ativistas armados, identificados por Globovisión como se fossem ativistas chavistas, atirando contra manifestantes. Essa encenação tornou-se necessária para mascarar um golpe militar orquestrado por Washington, com colaboração de Madrid. Em seguida, depois que levante popular legítimo fez abortar o golpe e reintegrou o presidente eleito, investigações conduzidas pela justiça venezuelana e por jornalistas sérios revelaram que a ‘revolução’ filmada e distribuída pelo canal Globovisión não passava de simulacro, criado por artifícios técnicos, e que nenhum chavista jamais atirara contra manifestantes; e que, isso sim, os manifestantes haviam sido vítimas de atiradores mercenários a serviço da CIA.

Vê-se acontecer o mesmo, novamente, agora, mas os criminosos são canais de televisão consorciados que distribuem imagens de eventos inexistentes na Líbia e na Síria. O objetivo é fazer-crer que a maioria dos líbios e dos sírios desejariam a destruição de suas instituições políticas e que Muammar Gaddafi e Bashar al-Assad teriam massacrado o próprio povo. A partir dessa intoxicação “midiática”, a OTAN atacou a Líbia e está em vias de também destruir a Síria.

Fato é que, depois da 2ª Guerra Mundial, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou legislação específica que proíbe e pune essas práticas “midiáticas”.

A Resolução n. 110, de 3/11/1947 criou “procedimentos a serem adotados contra a propaganda e incitadores de nova guerra”, condena “propaganda construída explicita ou implicitamente para provocar ou encorajar qualquer tipo de ameaça à paz, quebra de paz negociada ou ato de agressão."

A Resolução n. 381 de 17/11/1950 reforça aquela condenação e condena explicitamente qualquer censura a informação, como parte da propaganda contra a paz.

Finalmente, a Resolução n. 819 de 11/12/1954 sobre “remoção de barreiras que impeçam a livre troca de informação e ideias” reconhece a responsabilidade dos governantes no ato de remover barreiras que impeçam a livre troca de informação e ideias.

Ao fazê-lo, a Assembleia Geral desenvolveu doutrina própria sobre a liberdade de expressão: condenou todas as mentiras que levam à guerra; e impôs o livre fluxo de informações e ideias e o debate crítico, como armas a serem usadas necessariamente a favor da paz.

Palavras e, sobretudo, imagens, podem ser manipuladas de modo a servirem como “justificativa” para os piores crimes. Nesse sentido, a intoxicação da opinião pública provocada pelas falsas notícias distribuídas por CNN, France24, BBC e al-Jazeera pode ser definida como prática de “crime contra a paz”. 

Essas práticas criminosas ‘midiáticas’ devem ser vistas como mais sérias do que outros crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos pela OTAN na Líbia e por agências ocidentais de inteligência na Síria, na medida em que os crimes ‘midiáticos’ precederam e possibilitaram a prática dos demais crimes.

Todos os jornais, redes de televisão públicas e privadas e todos os jornalistas que operaram na propaganda de guerra – a favor dos ataques militares contra a Líbia (e, deve-se prever, em breve também contra a Síria) – devem ser julgados pela Corte Internacional de Justiça.

Fonte: Thierry Meyssan, Mathaba

 Journalists who Engage in War Propaganda must be Tried by International Justice
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
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25 de ago. de 2011

O capitalismo do desastre lança-se sobre a Líbia

por Pepe Escobar [*]

Pense da nova Líbia como o capítulo mais recente da série "Capitalismo do desastre". Ao invés de armas de destruição em massa, temos a R2P ("responsibility to protect"). Ao invés de neoconservadores, temos imperialistas humanitários.

Mas o objectivo é o mesmo: mudança de regime. E o projecto é o mesmo: desmantelar e privatizar completamente uma nação que não estava integrada no turbo-capitalismo; abrir uma outra (lucrativa) terra de oportunidade para o neoliberalismo com turbo-propulsor. A coisa toda é especialmente conveniente porque é um empurrão em meio a uma recessão quase global.

Levará algum tempo; o petróleo líbio não retornará totalmente ao mercado nos próximos 18 meses. Mas há a reconstrução de tudo o que a NATO bombardeou (bem, não muito do que o Pentágono bombardeou em 2003 foi reconstruído no Iraque...)

Seja como for – desde o petróleo à reconstrução – em tese assomam oportunidades de negócio sumarentas. O neo-napoleonico Nicolas Sarkozy, da França, e o britânico David da Arábia Cameron acreditam que estarão especialmente bem posicionados para lucrar com a vitória da NATO. Mas não há garantia que a nova fonte de riqueza líbia seja suficiente para erguer as duas antigas potências coloniais (neo-coloniais?) acima da recessão.

O presidente Sarkozy em particular extrairá as oportunidades de negócios para companhias francesas por tudo que elas valem – parte da sua ambiciosa agenda de "reposicionamento estratégico" da França no mundo árabe. Os complacentes media franceses exultantes dizem que esta foi a "sua" guerra – fiando-se em que ele decidiu armas os rebeldes no terreno com armamento francês, em estreita cooperação com o Qatar, incluindo uma unidade de comando chave rebelde que foi [enviada] por mar de Misrata para Tripoli no sábado passado, no princípio da "Operação Sirene".

Bem, ele certamente viu a oportunidade quando o chefe do protocolo de Muamar Kadafi desertou para Paris em Outubro de 2010. Foi quando o drama da mudança total de regime começou a ser incubado.

Bombas por petróleo

Como observado anteriormente (ver Welcome to Libya's 'democracy' , Asia Times Online, August 24) os abutres já estão a circular sobre Tripoli para agarrar (e monopolizar) os despojos. E, sim, a maior parte da acção tem a ver com negócios de petróleo, como se verifica nesta clara afirmação de Abdeljalil Mayouf, gestor de informação na "rebelde" Arabian Gulf Oil Company: "Nós não temos problemas com países ocidentais como as companhias italianas, francesas e britânicas. Mas podemos ter algumas questões políticas com a Rússia, a China e o Brasil".

Estes três acontece serem membros cruciais do grupo BRICS de economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), as quais estão realmente a crescer enquanto as economias atlantistas que fazem os bombardeamentos da NATO estão ou encravadas na estagnação ou em recessão. Acontece que os quatro principais BRICS também se abstiveram de aprovar a resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, a fraude da zona de interdição de voo (no-fly) que se metamorfoseou na mudança de regime conduzida pela NATO. Eles viram correctamente desde o princípio.

Para tornar as coisas piores (para eles), apenas três dias antes de o Africom do Pentágono lançava seus primeiros 150 Tomahawks sobre a Líbia, o coronel Kadafi deu uma entrevista à TV alemã enfatizando que se o país fosse atacado, todos os contratos de energia seriam transferidos para companhias russas, indianas e chinesas.

Assim, os vencedores da mina petrolífera já estão designados: membros da NATO mais monarquias árabes. Dentre as companhias envolvidas, a British Petroleum (BP), a Total da França e a companhia nacional de petróleo do Qatar. Para o Qatar – o qual despachou caças a jacto e recrutadores para as linhas de frente, treinou "rebeldes" em técnicas de combate exaustivas e já administra vendas de petróleo na Líbia oriental – a guerra revelar-se-á uma decisão de investimento muito sábia.

Antes dos longos meses de crise que agora está na sua etapa final com os rebeldes na capital, Tripoli, a Líbia estava a produzir 1,6 milhão de barris por dia. Uma vez retomada a produção os novos dominadores de Tripoli colheriam uns US$50 mil milhões por ano. A maior parte das estimativas estabelece as reservas de petróleo da Líbia em 46,4 mil milhões de barris.

Os "rebeldes" da nova Líbia é melhor não se meterem com a China. Cinco meses atrás, a política oficial da China já era apelar a um cessar-fogo. Se isto tivesse acontecido, Kadafi ainda controlaria mais da metade da Líbia. Mas Pequim – que nunca foi adepta de mudanças de regime violentas – por enquanto está a exercer extrema contenção.

WenZhongliang, o vice-ministro do Comércio, observou deliberadamente: "A Líbia continuará a proteger os interesses e direitos de investidores chineses e esperamos continuar o investimento e a cooperação económica". Numerosas declarações oficiais estão a enfatizar a "cooperação económica mútua".

Na semana passada, Abdel Hafiz Ghoga, vice-presidente do duvidoso Conselho Nacional de Transição (CNT), disse à [agência] Xinhua que todos os negócios e contratos efectuados com o regime Kadafi seriam honrados – mas Pequim não quer correr riscos.

A Líbia forneceu mais de 3% das importações de petróleo da China em 2010. Angola é um fornecedor muito mais crucial. Mas a China ainda é o principal cliente da Líbia na Ásia. Além disso, a China poderia ser muito útil quanto à reconstrução da infraestrutura, o na exportação de tecnologia – não menos de 75 companhias chinesas com 36 mil empregados estavam já no terreno antes de estalar a guerra tribal/civil, rapidamente evacuados em menos de três dias.

Os russos – da Gazprom à Tafnet – tinham milhares de milhões de dólares investidos em projectos líbios, a petrolífera gigante brasileira Petrobrás e a companhia de construção Odebrecht também têm interesses ali. Ainda não está claro que lhes acontecerá. O director-geral do Russia-Libya Business Council, Aram Shegunts, está extremamente preocupado: "Nossas companhias perderão tudo porque a NATO as impedirá de fazerem negócios na Líbia".

A Itália parece ter aprovado a versão "rebelde" do "você ou está connosco ou sem nós". O gigante da energia ENI aparentemente não será afectado, pois o primeiro-ministro Silvio "Bunga Bunga" Berlusconi pragmaticamente jogou fora o seu anterior relacionamento muito estreito com Kadfi, no princípio da profusão de bombardeamentos Africom/NATO.

Directores da ENI estão confiantes em que os fluxos de petróleo e gás da Líbia para o Sul da Itália serão retomados antes do Inverno. E o embaixador líbio na Itália, Hafed Gaddur, reassegurou Roma de que todos os contratos da era Kadafi serão honrados. Por via das dúvidas, Berlusconi encontrará o primeiro-ministro do CNT, Mahmoud Jibril, nesta quinta-feira em Milão.

Bin Laden

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Ahmet Davutoglu – da conhecida política "zero problemas com nossos vizinhos" – também tem estado a louvar os antigos "rebeldes" transformados em detentores do poder. Observando também as possibilidades de negócios pós Kadafi, Ancara – como flanco oriental da NATO – acabou por ajudar a impor um bloqueio naval ao regime de Kadafi, cultivou cuidadosamente o CNT e em Julho reconheceu-o formalmente como o governo da Líbia. Os "prémios" do negócio assomam.

E há ainda a questão crucial: como a Casa dos Saud vai lucrar por ter sido instrumental em estabelecer um regime amistoso na Líbia, possivelmente apimentado com notáveis Salafi. Uma das razões chave para o violento ataque saudita – o qual incluiu um voto falsificado na Liga Árabe – foi o rancor extremo entre Kadafi e o rei Abdullah desde os preparativos para guerra ao Iraque em 2002.

Nunca é demais enfatizar a hipocrisia cósmica de uma monarquia/teocracia medieval – a qual invadiu o Bahrain e reprimiu seus xiitas nativos – que saúda o que podia ser interpretado como um movimento pró-democracia na África do Norte.

Seja como for, é tempo de festa. Aguarda-se o Saudi Bin Laden Group para reconstruir tudo por toda a Líbia – eventualmente transformando o (saqueado) Bab al-Aziziyah num monstruoso e luxuoso Centro Comercial Tripolitania.
[*] Autor de 21 O Século Da Ásia (Nimble Books, 2009), Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007) e Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge . Seu último livro é Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009). Email: pepeasia@yahoo.com . Para acompanhar o seu artigos sobre a Grande Revolta Árabe, clique aqui .

O original encontra-se em http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MH25Ak02.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/



12 de ago. de 2011

Inglaterra: sem novidade, é a luta de classes!

Kaos en la Red - [Alessandro Dai Lago, Liberazione. Tradução do Diário Liberdade] - Inglaterra antecipa o que acontecerá no Estado espanhol, Itália e provavelmente na França quando a sociedade tenha que pagar a conta da política neoliberal e as guerras que estão a esgotar os recursos.
 
Não admira que as revoltas que explodiram em quase todas as grandes cidades inglesas sejam recebidas pelo governo, pelos tabloides e os meios principais, ao menos inicialmente, com os habituais lugares comuns: além do óbvio "gangues", a instrumentalização criminosa, os grupos juvenis, a habitual gente de fora e assim adiante. É o exorcismo de sempre perante aquilo que mais ou menos se podia prever e que tem notabilíssimos precedentes nas metrópoles ocidentais, dos "riots" de Los Ángeles do 1992 à explosão dos "balieues" de Paris no 2005.
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Uma vista de olhos nos vídeos transmitidos pela BBC, pelo site do The Guardian, Al Jazeera, etc, esclarece imediatamente que a realidade é completamente diferente. A revolta é capital, largamente espontânea, por mais que foi facilitada pela disponibilidade de tecnologias de informação de baixo custo, e sobretudo transversal. Nas ruas vêem-se jovens encarapuzados, adolescentes que se enfrentam à polícia e gente de todas as idades que saqueiam os comércios. De toda origem e proveniência, mas acomunados pelo viver nos distritos mais pobres que circundam o centro privilegiado e de moda de uma das capitais da finança mundial.
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Nada de surpreendente no facto de que, para além da polícia, muito detestada, sejam alvo os comércios como Sony, Foot Locker e MacDonald, as lojas de joias e os grandes armazéns. Ou seja, os símbolos tangíveis de uma opulência alta ou média da que, evidentemente, uma grande parte da população londrina está excluída. Exatamente como em Los Ángeles em 1992 a população do South Central ocupou os bairros ocidentais e abastados da metrópole e em Paris, em 2005, os habitantes dos "banlieues" atacaram a ferro e fogo os Campos Elísios.
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Na forma elementar e pré-política do saque, trata-se de luta de classes. Exatamente isso que o "establishment" inglês exorciza falando de mero vandalismo e as primeiras e tímidas vozes de especialistas das várias comunidades locais ou ativistas sociais começam a definir por aquilo que é, reação aos cortes impostos pelo governo conservador.
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Por outra parte, as manifestações do passado inverno contra o aumento das taxas universitárias eram um sinal clamoroso do mal-estar juvenil pela proletarização dos membros mais débeis das camadas médias. O bem-estar de uma das sociedades consideradas mais estáveis do Ocidente foi sempre aparente. Ou melhor, é um bem-estar limitado aos que vivem de finanças e dos seus desenvolvimentos (o comércio, a informação, os serviços, o luxo, etc.), mas que não atinge ao resto da sociedade, largamente desindustrializada e empobrecida.
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Que hoje sejam proibidos até os jogos de futebol na Inglaterra, um desporto tradicionalmente considerado capaz de absorver os conflitos sociais e geracionais, diz bastante. Não se trata somente de uma medida de ordem público. É o sinal de que a sociedade inglesa, sob a aparência dos seus rituais de massas, está profundamente em crise.
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O que surpreende mais é que ninguém relacione as revoltas inglesas com a crise financeira que faz anos está a se incubar no Ocidente e hoje parece que se dirige a uma catástrofe. Londres designadamente, como terceira praça financeira no mundo, é a expressão do domínio das finanças sobre a economia real.
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No mundo, o volume da prima é hoje seis vezes o do seu valor real. O ataque à dívida pública, ou seja à soberania do estado, por parte da especulação internacional, encontra somente as respostas habituais de uma política económica recessiva e submetida aos ditados das sociedades de "rating", ou seja aos bancos estado-unidenses e ingleses. Mas, a onde podem levar os cortes às pensões, à alta formação, à segurança social e a assistência médica? Exatamente ao que está a acontecer na Inglaterra.
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Neste senso, Londres e Birmingham, Bristol e Manchester antecipam o que inevitavelmente acontecerá no Estado espanhol, Itália e provavelmente França quando a sociedade tenha que pagar a conta de uma política obtusamente liberal e das guerras insensatas que estão a esgotar os recursos dos estados ocidentais. Certamente, as sublevações não se podem prever, mas uma crise social sem precedentes está nas portas, e até, já começou.
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Alessandro dal Lago, sociólogo, conta entre as suas obras: La produzione della devianza, Feltrinelli, Milano, 1981; Etnometodologia (con p. p. giglioli), Il Mulino, Bologna, 1983; L'ordine infranto. Max Weber e i limiti del razionalismo, Unicopli, Milano, 1983; Il politeismo moderno, Unicopli, Milano, 1985; Oltre il metodo. Interpretazione e scienze sociali, Unicopli, Milano, 1989; Il paradosso dell'agire, Liguori, Napoli, 1990; Descrizione di una battaglia. I rituali del calcio, Il Mulino, Bologna, 1990; (con p. a. rovatti) Elogio del pudore, Feltrinelli, Milano, 1990; (con r. moscati) Regalateci un sogno. Miti e realtà del tifo calcistico in Italia, Bompiani, Milano, 1992; Per gioco. Piccolo manuale dell'esperienza ludica, R. Cortina, Milano, 1993; (con g. barile, p. galeazzo e a. marchetti) Tra due rive. La nuova immigrazione a Milano, Franco Angeli, Milano, 1994; Il conflitto della modernità. Il pensiero di Georg Simmel, Il Mulino, Bologna, 1994; I nostri riti quotidiani. Prospettive nell' analisi della cultura, Genova, Costa & Nolan, 1995.
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Attualmente impegnato in ricerche sulla costituzione del nemico nella società contemporanea: Qualcuno da odiare. Lo straniero come nemico pubblico.
 
 

Uma odisseia marxista - O documentário sobre O Capital


Numa preciosa entrevista que Jean-Luc Godard concede a Alexander Kluge no curta-metragem Amor Cego (2001), este o questiona sobre qual seu filme mais curto e qual o mais longo. Sobre o primeiro formato, o cineasta francês faz graça, diz que seria o pior e que poderia cortá-lo tanto quanto possível. No que diz respeito ao segundo formato, Godard cita que é sempre o mais recente, pois não se consegue parar, não se consegue terminá-lo. “Como a segunda parte vem após a primeira, de fato o filme apenas termina ali onde começou. Como já começara uma hora antes, então volta ao início, à moda dos contos de Borges.” Decerto o escritor argentino apreciaria a noção cíclica de Godard, seguida por Kluge. O diretor alemão realizou, sete anos depois daquele encontro, Notícias de Antiguidades Arqueo-lógicas – Marx, Eisenstein, O Capital (Versátil, R$ 72,80), uma produção documental de nove horas e meia que é prova legítima da crença cega de um pensador por um tema que deseja esgotar. Neste caso, o de duas- -crenças, uma embutida na outra.
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Como é possível deduzir do subtítulo do filme, agora lançado em DVD na versão integral pela Versátil, a pretensão não se mostra modesta. A tríade ali representada responde pela proposta de Kluge, um dos nomes renovadores do cinema alemão nos anos 60, de retomar a ambiciosa ideia do cineasta russo Sergei Eisenstein de filmar O Capital. O autor de clássicos como O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1927), por sua vez, não sustentava o desejo numa estrutura narrativa, digamos, convencional, já que a ousadia cinematográfica ele já dominava. Queria formatar sua adaptação do que o tempo sugeriu ser inadaptável ao cinema à luz de outro clássico, agora literário, o Ulisses, de James Joyce. Se este adotou o contexto épico de Homero para contar, num fluxo de consciência, um único dia na vida do personagem Leopold Bloom, Eisenstein faria o mesmo renovando o protagonista por um casal de operários metido no turbilhão da era industrial. Com mais evidência na mulher do que na figura masculina.
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O mesmo processo de reordenação faz Kluge em seu filme, conferindo-lhe ares atuais. Seu princípio, quando da realização em 2008, partiu da impactante crise econômica daquele ano, alimentada pelo estouro do sistema de especulação do crédito e bancária. Esse momento, para ele, seria tão emblemático quanto o operado por situações como a Revolução Industrial e a quebra de 1929 na Bolsa nova-iorquina. Não só para ele, como para Eisenstein, este sim uma testemunha desse último episódio definidor para que o projeto de filmar O Capital não conquistasse nenhum interesse, seja de produtores franceses, seja de soviéticos. Ao alinhavar esses dois períodos, Kluge espelha o próprio interesse pela obra capital da filosofia econômica no sonho não realizado pelo russo em filmá-la.
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A maneira como faz isso tende ao resultado irregular, mas estimulante. Kluge reúne depoimentos de estudiosos alemães de linha marxista, de quem é próximo por ser um deles, a exemplo de Hans Magnus Enzensberger. O poeta e ensaísta lembra ao diretor que um exemplo atual das condições descritas pelo Capital é a dívida do cidadão americano impossibilitado de assegurar a compra da casa própria. “Esta seria uma grande cena para seu filme”, diz. Comparece ainda o filósofo Peter Sloterdjik, que fornece a Kluge um compasso interessante entre a figura de Bloom em Joyce, que como o Ulisses de Homero se metamorfoseia, e o entendimento do dinheiro e do conceito da “mais-valia” tão central na obra de Marx, também transformados pelo tempo. “Sempre encontraremos a matéria disfarçada”, aponta.
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O filme alimenta-se ainda de cartelas com pensamentos e poemas que surgem traduzidas e coloridas na tela, como no formato original do filme, material extraído da obra da poetisa anarquista Louise Michel. Os recursos para Kluge dar conta da demanda exigida pela união de Eisenstein e Marx multiplicam-se com trechos de óperas, a exemplo da montagem de Tristão e Isolda, de Wagner, pelo também cineasta alemão Werner Schroeter.- Nesta, a referência direta é Encouraçado Potemkin, com marinheiros em ação no levante que é ponto culminante no filme. No caso de O Maquinista Hopkins, do compositor Max Brand, a aproximação se dá com outro clássico sobre a humanidade regida pela ditadura da máquina e o impasse econômico gerado por tal situação. Trata-se de Metrópolis, de Fritz Lang, com quem, aliás, Kluge trabalhou. No caso da chamada “primeira ópera de fábrica em língua alemã”, a história se dá num galpão industrial, revelando situações cotidianas e aspirações dos operários.
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Talvez a mais interessante investigação no tratado de Kluge do que é uma mercadoria e de como ela se apropria de vários conceitos, seja de cunho abstrato, seja filosófico, adquirindo um valor nada banal, como sugere Marx, está no curta–metragem O Homem na Coisa. Realizado pelo diretor de nova geração Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra), o filme congela uma cena cotidiana de uma jovem caminhando na rua para então tratar de vários objetos presentes no quadro, dos sapatos dela a registros numéricos de gás do prédio, portas e maçanetas.
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Nessa atitude de distensão e dissecação em que o filme opera, Kluge nunca deixa de promover a fonte maior de seu filme, que é O Capital, por também ter sido a obra o grande desafio para Eisenstein. Volta a ela na forma de várias leituras de passagens do conjunto dos livros, em especial dos rascunhos que originaram a obra, chamados Grundrisse, agora editados no Brasil em um volume da Boitempo. No filme, são apresentações realizadas por atores, em geral uma dupla que relembra a perspectiva do cineasta russo sobre o casal de operários. Além dos três DVDs com os 570 minutos de filme, um encarte de 64 páginas contendo escritos iniciais acompanha o pacote, assim como o curta que traz a conversa com Godard é um brinde nos extras.
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Kluge, seguidor confesso do colega francês, não deixa de sugerir aí uma espécie de visita de admirador a um mestre, de quem consegue afortunadamente arrancar, além de bom papo, alguns conselhos de como proceder na feitura de seu cinema. A mesma sorte não teve Eisenstein, segundo o diretor alemão comenta no documentário, ao procurar um James Joyce já comprometido pela cegueira. Apesar de ter visto os filmes do russo e ser um entusiasta deles, o autor irlandês pouco conseguiu colaborar com a ideia de ver seu clássico como apoio à adaptação de O Capital. De forma mais incisiva, segundo especialistas, não teria considerado o projeto de bom grado.

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8 de ago. de 2011

Colômbia: Pilhagem, esperança e paz

por James Petras 

Vivemos tempos de grande destruição e de grandes oportunidades económicas. A América Latina não é excepção. No contexto global, o Império estado-unidense está empenhado em guerras destrutivas (Afeganistão, Iraque, Paquistão, Líbia, Iémen, Somália e Haiti). Em contraste, a China, Índia, Brasil, Argentina e outras "economias emergentes" estão a expandir comércio, investimentos e reduzir pobreza. A União Europeia (UE) e os Estados Unidos (EUA) estão em crises económicas profundas. A periferia da UE (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha) está totalmente em bancarrota. As "dependências" dos EUA na América do Norte (México), América Central e Caribe são narco-estados virtuais praguejados pela pobreza em massa, taxa de crime astronómicas e estagnação económica. As dependências dos EUA são pilhadas por multinacionais, oligarcas locais e políticos corruptos.


A Colômbia posiciona-se em encruzilhadas: ela pode seguir as pegadas do seu antecessor, o narco-presidente Álvaro Uribe, e permanecer uma dependência militar, um solitário posto avançado do Império estado-unidense na América do Sul. A Colômbia pode permanecer à margem da maior parte dos mercados mundiais dinâmicos e em guerra com o seu povo ou, através de uma nova liderança sócio-política, pode efectuar uma reorientação profunda de política e consumar uma transição rumo a maior integração com os mercados dinâmicos do mundo.


A Colômbia tem todos os ingredientes objectivos (recursos materiais e humanos) para ser parte da nova ordem dinâmica. Mas primeiro e acima de tudo ela deve abandonar seu papel como vassalo militarizados dos Estados Unidos e objecto de exploração de uma oligarquia rentista. A Colômbia deve deixar de apoiar golpes dos EUA (Honduras, Venezuela) e de ameaçar seus vizinhos (Equador).


A Colômbia não pode desenvolver suas forças produtivas e financiar a modernização da educação superior e melhoria de treino técnico e [ao mesmo tempo] gastar milhares de milhões com as centenas de milhares de militares, paramilitares, polícias e operativos de inteligência. O aparelho repressivo militar está orientado para a repressão dos sectores da força de trabalho mais produtivos, criativos e motivados. A prosperidade depende da paz civil a qual depende da profunda desmilitarização do estado colombiano. A conexão entre a economia e o pode militar é clara. A China gasta um décimo do orçamento militar dos EUA mas cresce cinco vezes mais rápido. A política externa independente do Brasil e o realinhamento com o mercado asiático levou a um alto crescimento, ao passo que o México, como um satélite do North American Free Trade Treaty, é um estado estagnado e fracassado.


Desmilitarização: As especificidades da Colômbia


A Colômbia é a sociedade mais militarizada da América Latina, com o mais elevado número de vítimas na sociedade civil. O "militarismo" na Colômbia inclui a maior força militar activa operacional dentro das fronteiras do estado e ser o maior recipiente de financiamento militar da maior potência militarista do mundo. Como cliente subordinado do Império estado-unidense, a Colômbia tem o pior registo de direitos humanos, no que se refere a mortes de jornalistas, sindicalistas, activistas camponeses e advogados de direitos humanos.


Contudo, a violência estatal e para-estatal não é aleatória. Mais de 4 milhões de agricultores, camponeses e intermediários rurais foram expulsos à força e a suas terras foram tomadas por grandes latifundiários, narco-traficantes, generais e homens de negócio aliados ao governo. Por outras palavras, o Estado terrorista e a expulsão em massa é um método peculiarmente colombiano de "acumulação de capital". A violência do Estado é o método para assegurar os meios de produção para aumentar agro-exportações a expensas de famílias de agricultores.


Na Colômbia, o extermínio estatal e para-estatal substitui o mercado e "relações contratuais" no cumprimento de transacções económicas. As relações desiguais entre um estado militarista e movimentos populares da sociedade civil têm sido o principal obstáculo a uma transição de um regime político oligárquico para um sistema eleitoral democrático e pluralisticamente representativo.


A Colômbia combina formas de representação da elite do século XIX com meios de repressão militar altamente desenvolvidos do século XXI: um caso de desenvolvimento desigual e combinado. Em consequência deparamo-nos com "crescimento desequilibrado", um aparelho militar, policial e paramilitar super-desenvolvido e subdesenvolvidas instituições sociais e políticas dispostas e capazes de entrar em negociações através da reciprocidade e dos compromissos dentro de uma estrutura cívica.


A cultura do estado de "guerra permanente" mina as condições de confiança e reciprocidade e levanta riscos inaceitáveis para quaisquer interlocutores sociais e políticos.


Dentro do estado militarizado – especialmente devido às suas ligações profundamente enraizadas a instituições militares regionais dos EUA – apenas "negociações" que reforçam a actual ordem sócio-económica e disposição política institucional são aceitáveis. Mesmo reconhecidos "mediadores da paz" empenham-se em "negociações" só com um lado exigindo concessões unilaterais de insurgentes e raramente fazem exigência de concessões recíprocas do Estado.


A maior parte dos países latino-americanos que passaram por transições do domínio ditatorial para a política eleitoral respeitou os oponentes. Só a Colômbia assassinou toda a liderança política e os activistas – da União Patriótica – que se converteram da luta armada para a luta eleitoral. Nenhuma outra oposição latino-americana (ou europeia ou asiática) experimentou a violência do estado infligida à União Patriótica (UP): o assassínio de 5.000 activistas incluindo candidatos ao Congresso e à Presidência.


Os actuais regimes de centro-esquerda da América do Sul, suas economias em expansão e as lutas de movimentos sociais livres e abertas, são um produto de levantamentos sociais (entre 1999-2005) que terminaram "políticas militarizadas". Revoltas populares na Bolívia, Argentina, Equador e Venezuela abriram o caminho para o centro-esquerda. No Brasil, Uruguai e Chile movimentos sociais ajudaram a deslocar regimes de direita.


Em consequência de lutas de massa e levantamentos populares, regimes de centro-esquerda prosseguem políticas económicas relativamente independentes e programas anti-pobreza progressistas. Eles elevaram padrões de vida e proporcionaram espaço político e social para a continuação da luta de classe


A Colômbia é um dos poucos países que fracassaram em efectuar a transição de um regime militarista de direita para um modelo de bem-estar e desenvolvimento de centro-esquerda, porque ao contrário do resto da América Latina ela ainda tem de experimentar um levantamento popular, resultando numa nova configuração política.


Colonatos de paz: América Central ou Indochina?


"Colonatos de paz" produzem vencedores e perdedores. Eles reflectem a correlação de forças externa e interna. O processo de negociação, incluindo quem é consultado no estabelecimento de prioridades e em efectuar concessões, é central para a trajectória futura do "processo de paz".


A história recente proporciona-nos dois "processos de paz" diametralmente opostos e com consequências dramaticamente diferentes: os aldeamentos de paz indochineses de 1973-75 e os aldeamentos de paz centro-americanos de 1992-1993. No caso da Indochina e mais especificamente dos aldeamentos vietnamita-americanos, a Frente de Libertação Nacional (FLN), assegurou a retirada das forças militares dos EUA, o desmantelamento de bases militares estado-unidenses e a desmilitarização do estado. a FLN concordou acordou um processo de integração política baseado no reconhecimento de certas reformas sócio-económicas e políticas básicas, incluindo reforma agrária, a recuperação da posse de terras de milhões de camponeses deslocados e o processamento de responsáveis civis e militares acusados de crimes contra a humanidade. Os negociadores da FLN fizeram concessões políticas mas em consulta estreita com a sua base de massa de camponeses, trabalhadores e profissionais. Eles apoiaram o princípio da democratização do estado e desmilitarização da sociedade como condições essenciais para a finalização da guerra.


Ao longo dos últimos 35 anos, o Vietname evoluiu de país socialista independente em direcção a uma economia capitalista pública-privada, transitando para um crescimento mais alto e padrões de vida mais elevados mas aumentando desigualdades e com maior corrupção.


Em contraste, os acordos de paz centro-americanos assinados pelos líderes da guerrilha levaram ao fim do conflito armado e à incorporação da elite insurgente dentro do sistema eleitoral. Contudo, não houve mudanças básicas no sistema militar, económico e social. Nenhuma das organizações populares de massa foi consultada. Ao grosso dos combatentes armados, tantos insurgentes populares como mercenários paramilitares, foi dada alta e tornaram-se um exército de desempregados "armados". Ao longo dos últimos 20 anos, gangs criminosas tomaram o controle de grandes extensões da América Central, ao passo que a elite da guerrilha ex-Farabundo Marti, e dos seus colegas guatemaltecos e nicaraguenses, se tornaram homens de negócio ricos e aliados eleitorais de políticos conservadores. Eles são protegidos por guarda-costas privados e não tomam conhecimento das condições de 60% da população que vive abaixo da linha de pobreza. Os "acordos de paz" na América Central serviram de veículo para a mobilidade social da elite da guerrilha. Eles não acabaram com a violência. Todos os anos mais pessoas deparam-se com mortes violentas do que os que foram mortos durante os anos de guerra civil.


Os acordos de paz vietnamita e centro-americanos tiveram lugar durante diferentes momentos internacionais. Na década de 1970, a União Soviética e a China proporcionavam vasto apoio material e político aos vietnamitas. Durante as negociações de paz centro-americanas, com a União Soviética desintegrada, a China estava virar para o capitalismo e Cuba enfrentava um "período especial" de crise económica devido à perda da ajuda e do comércio soviético.


A mudança na correlação de forças internacional influenciou claramente, mas não determinou, os resultados desfavoráveis na América Central. Em menos de uma década após os desastrosos acordos de paz centro-americanos, a Venezuela, sob o presidente Chávez, conseguiu derrotar um golpe e avançou rumo a uma transformação socialista. Revoltas populares aboliram governantes neoliberais na Argentina, Bolívia, Equador e alhures. O fim da URSS não acabou com lutas de classe bem sucedidas na América Latina.


A reaccionária correlação de forças política da década de 1990 mudou dramaticamente. Em 2011, só a América Central, o México e a Colômbia permanecem como ilhas de reacção num mar de esquerda ressurgente e de lutas populares na América do Sul, Norte de África e Sul da Ásia.


O estabelecimento da paz centro-americana, com sua aceitação do estado militarizado, ligado às exportações agro-minerais das elites e às gangs narco-criminosas, tornou-se um monumento de um "processo de paz" fracassado. O estabelecimento da paz vietnamita, se bem que longe de perfeito, pelo menos proporcionou paz, segurança, reforma agrária e rendimento mais alto para o campesinato e os trabalhadores. Não há dúvida de que a Colômbia tem diferenças históricas e estruturais com a América Central e a Indochina.


Os movimentos sociais armados na Colômbia têm uma história específica a qual antecede os insurgentes centro-americanos em muitos anos e desenvolveu laços políticos com certas regiões e movimentos sociais os quais têm perdurado ao longo do tempo. Ao contrário dos insurgentes centro-americanos e vietnamitas eles também não estão dependentes de apoiantes "externos". Acima de tudo, a experiência fracassada de "reconciliação política" na América Central levou insurgentes colombianos a levantarem condições significativas em relação ao processo de paz, nomeadamente desmilitarização e reformas sócio-económicas (reforma agrária e recuperação de terra para os que dela foram privados). "Paz a qualquer preço" só levará a novas e igualmente virulentas formas de violência, como no caso actual do México com 10 mil mortos por ano, 7 mil assassínios por ano em El Salvador e um número igual de homicídios na Guatemala.


A experiência vietnamita de paz via justiça social e desmilitarização parece assegurar um mínimo de prosperidade. Certamente a correlação internacional de forças melhorou dramaticamente. A América Latina substituiu os regimes fantoches neoliberais. As economias latino-americanas descobriram mercados dinâmicos na Ásia independentes dos EUA. Revoltas populares no Médio Oriente e na Ásia – desde a Tunísia até o Afeganistão – estão a forçar os militares estado-unidenses a recuar. O contexto internacional e regional é muito favorável se a Colômbia souber aproveitá-lo. O método e os modos de luta, aqueles que unem movimentos populares sem distinção, deveriam ser abertamente discutidos e resolvidos sem exclusões. A insurgência é parte da solução, não do problema. A chave para um diálogo frutífero é a desmilitarização do estado, finalizar a presença militar dos EUA, terminar o Plano Colômbia e converter despesas militares em desenvolvimento económico e social.


[*] Intervenção a ser apresentada no "Encuentro Nacional de comunidades Campesinas, Afrodescendientes e Indigenas por la Tierra y la Paz de Colombia: El dialogo es la Ruta" , 12 a 15 de Agosto 2011, Barrancabermeja, Colombia


O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/?p=1870

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

7 de ago. de 2011

China e EUA: acabou-se a amizade

O Banco Central chinês e os directores dos fundos estatais do gigante asiático começam a perder a paciência: na sua opinião, não existe já absolutamente nada a ganhar com o declínio da liquidez dos EUA. Existe, sim, muito a perder.

O Banco Central chinês e os directores dos fundos estatais do gigante asiático começam a perder a paciência: na sua opinião, não existe já absolutamente nada a ganhar com o declínio da liquidez dos EUA. Existe, sim, muito a perder.
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Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal (Fed) estado-unidense, tem sustentado heroicamente a sua presidência. Desde o início do ano a Fed comprou em massa títulos do tesouro estado-unidense e, com mais de 1,5 milhares de milhões de títulos do tesouro em carteira, converteu-se no principal credor interno do próprio estado. Mesmo assim, foi insuficiente para conter o descontentamento de China, Japão, Reino Unido e estados do Golfo, os seus credores estrangeiros. Tal como já tinha sucedido no verão de 2008, quando Pequim pressionou o resgate dos gigantes hipotecários Fannie Mae e Freddie Mac, os chineses começaram a sentir-se novamente nervosos. A agência de notação chinesa Dagong Global Credit baixou pela segunda vez, implacavelmente, a classificação do credito dos empréstimos estatais dos EUA e ameaça vis a atribuir-lhes uma classificação ainda pior. O presidente da Dagong, Guan Jianzhong, afirma que os EUA se encontram já em situação de ruptura financeira. Não constituem segredo as preocupações do banco central chinês face à aventureira política orçamental dos EUA, que prejudica os interesses chineses.
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Com mais de 1,5 milhares de milhões de dólares em títulos do tesouro estado-unidense, a China continua a ser o mais comprometido credor dos EUA, a grande distância de todos os outros. Mais de metade das reservas chinesas de divisas de 3,2 milhares de milhões de dólares são empréstimos denominados em dólares. Uma bancarrota dos EUA faria derreter velozmente toda essa riqueza monetária. Ainda que o Congresso e a Casa Branca consigam, no último minuto, alcançar um consenso no que diz respeito ao aumento do tecto da dívida, a Dagong pretende continuar a pressionar a notação dos EUA, uma vez que, até à data, o governo não manifestou ter qualquer projecto de redução efectiva da dívida, e em nenhum caso é prevista uma recuperação autosustentada. São impossíveis, em todos os aspectos, novos programas de estímulo à economia: a política de expansão monetária de Obama está esgotada. 
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A China tem assumido honradamente, desde 2009, o papel de fiador dos EUA, e aumentou mais de um terço os seus depósitos de dívida pública norte-americana. E com isso chega-se a uma conclusão: o declive do dólar e a crise do orçamento estado-unidense não deixam aos chineses outra opção que não seja deixar-se de fantasias. Isso não significa deixar de adquirir ou desfazer-se de títulos do tesouro estado-unidenses, mas significa antes promover uma mudança de orientação. Desde o início do ano, os directores dos fundos estatais chineses têm-se empenhado em aumentar o investimento nos empréstimos europeus e em títulos do estado dos países emergentes. Esta manobra tem sido acompanhada da sua contrária, com a compra de títulos de dívida norte-americana a ver-se claramente reduzida. Dos mais de 250 mil milhões de dólares em reservas de divisas que a China juntou desde Janeiro de 2011, apenas 46 mil milhões correspondem a títulos do tesouro estado-unidense: uma mudança evidente. Desde 2007 que os chineses vêm acumulando mais de metade do seu crescimento anual em reservas de divisas do orçamento estado-unidense.
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Os actuais empréstimos para o financiamento dos programas europeus de resgate foram adquiridos no momento, em percentagens que chegam aos 40%, pelos bancos e fundos do estado chineses. Já no Outono de 2008 a Hungria escapou à bancarrota graças aos enormes créditos daquele país asiático. Sem qualquer dúvida, os juros que rendem os títulos de dívida pública da zona euro são bastante atractivos. Igualmente importante para os chineses é a estabilização da União Europeia e do espaço monetário europeu, que constitui para eles o mercado mais seguro do mundo.

A crise da dívida própria
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Se os chineses apoiam a zona euro é também porque para eles o euro emerge como moeda rival do dólar. Substituir o dólar como moeda de reserva mundial pode significar para os chineses conseguir uma moeda artificial sustentada por dinheiro procedente de créditos a partir de um cabaz de divisas: dólares, euros, ienes, libras ou francos suíços. Se tal viesse a suceder isso constituiria para a China uma passo mais no sentido de uma séria competição com os centros das finanças mundiais em Nova Iorque e Londres e em tornar o yuan uma moeda mundial completamente convertível. Que este plano tenha êxito ou não dependerá de como a República Popular faça a gestão da sua própria dívida, já que desde o despoletar da crise financeira mundial no Outono de 2008 os seus planos de estímulo à economia consistiram sobretudo no financiamento de créditos de muitos milhões aos governos provinciais: mais de 14 milhares de milhões de yuans (1,5 milhares de milhões de euros) foram mobilizados em projectos de infraestruturas. Nesse sentido a República Popular da China, de forma semelhante aos EUA, teve que dar combate ao sobreendividamento de muitas regiões: crescem os apelos a programas de resgate e à reestruturação da dívida. A própria crise da dívida chinesa reforça a intenção do país em abster-se no futuro em relação aos arriscados créditos externos aos EUA
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*Michael R. Kratkte, membro do Conselho Editorial de SINPERMISO, é professor de política económica e de direito fiscal na Universidade de Amesterdão, investigador associado no Instituto Internacional de História Social da mesma cidade, e catedrático de Economia Política e director do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido.

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4 de ago. de 2011

Um assalto de 16 trilhões de dólares

Por Atilio A. Boron    

A atenção da opinião pública internacional está centrada no acordo pírrico firmado entre Barack Obama e o Congresso mediante o qual o presidente se compromete a aplicar um duro programa de ajuste fiscal, baseado no corte de gastos sociais (saúde, educação, alimentação) e infra-estrutura de 2,5 trilhões de dólares, porém, preservando, como exige o Tea Party, o nível atual do gasto militar e sua eventual expansão. Em troca disso, a Casa Branca recebeu a autorização para elevar o endividamento dos Estados Unidos até 16,4 trilhões de dólares, cifra superior em cerca de 2 trilhões ao PIB do país. Com isso se espera – confiando na “magia dos mercados” – superar a crise da dívida pública e reativar a exaurida economia norte-americana. Essa receita já foi implementada a sangue e fogo na América Latino e não funcionou; e tampouco na convulsionada Europa desses dias. Com tal acordo, a única certeza será o agravamento da crise, e, por tabela, a acentuação da belicosidade estadunidense no cenário mundial.

Socialismo para os ricos e mercado para os pobres
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O debate sobre o possível calote dos EUA eclipsou por completo um escândalo financeiro de inéditas proporções: em 21 de junho passado, conheceu-se o resultado de uma auditoria integral realizada pelo Escritório Governamental de Prestação de Contas (Government Accountability Office, GAO, na sigla em inglês) no Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, a primeira que se pratica sobre a citada instituição desde que foi criada, em 1913. Os resultados são assustadores: em um prazo de pouco mais de dois anos e meio, entre 1º de dezembro de 2007 e 21 de julho de 2010, o Fed concedeu empréstimos secretos a grandes corporações e empresas do setor financeiro de 16 trilhões de dólares, uma cifra superior ao PIB dos EUA, que em 2010 foi de 14,5 trilhões de dólares, e mais elevada que a soma dos orçamentos do governo federal nos últimos quatro anos.

E não só isso: a auditoria revelou também que 659 bilhões de dólares foram dados a algumas das instituições financeiras beneficiadas arbitrariamente por este programa para que administrassem o multimilionário pacote de salvação dos bancos e corporações, oferecido como mecanismo de ”saída” da nova crise geral do capitalismo. Desse gigantesco total, cerca de 3 trilhões foram destinados a socorrer grandes empresas e entidades financeiras na Europa e na Ásia. O resto foi orientado para o resgate de corporações estadunidenses, encabeçadas pelo Citibank, o Morgan Stanley, Merrill Lynch e o Bank of America, entre as mais importantes.

Tudo isso enquanto a crise aprofundava a níveis desconhecidos a desigualdade econômica dentro da população local, ao passo que afundava crescentes setores sociais na pobreza e vulnerabilidade social. Obviamente, essa informação mereceu apenas um espaço completamente marginal na imprensa financeira, tanto internacional como a norte-americana, ou nos grandes meios de comunicação dos EUA. São notícias que, com lembra Noam Chomsky, não têm por que serem conhecidas pelo grande público.

As assombrosas revelações deste informe deveriam propiciar uma discussão sobre vários temas de grande importância. Primeiro, a extremamente desigual distribuição dos esforços necessários para enfrentar a crise. Até agora, eles foram aportados pelos trabalhadores, enquanto que as grandes fortunas pessoais ou corporativas, assim como os fenomenais rendimentos dos mais ricos, se beneficiaram da redução de impostos e resgates multimilionários dados por George W. Bush e ratificados por Barack Obama no novo acordo.

Em segundo, sobre os inexistentes – ou enormemente débeis e ineficazes – mecanismos de auditoria e controle democrático sobre as políticas e decisões de uma instituição crucial para a economia norte-americana e o bem-estar de sua população como o Fed.

Em terceiro, sobre a duvidosa compatibilidade existente entre uma ordem que se auto-proclama democrática e o estatuto jurídico e institucional do Fed como entidade autônoma que não tem obrigação de prestar contas a nenhuma instância de controle democrático. Em relação a este último ponto, o Fed manifestou sua predisposição de “considerar muito seriamente” as recomendações do GAO, mas, ao não se tratar de uma instituição governamental, não pode ser forçado a aceitá-las. Em que pese seu caráter privado, o presidente do Fed e os sete membros de sua diretoria são designados pelo presidente dos Estados Unidos e sujeitos a posterior confirmação pelo Senado.

Porém, contrariamente ao que pensa a esmagadora maioria da população estadunidense, o Fed não é uma agência federal de governo, mas uma corporação privada. Em termos políticos, é o partido do capital financeiro. Sua autonomia é tão grande que não seria ilegal nem por um milímetro se suas autoridades decidissem desacatar as recomendações do GAO ou rebelar-se abertamente contra elas.

Não existe, para o Fed, a prestação democrática de contas diante da comunidade e, por ser uma entidade de direito privado, não tem de acatar nem sequer o disposto na Lei de Liberdade de Informação, cuja jurisdição se estende tão somente às instituições públicas. Situação aberrante, folga dizer: uma cifra equivalente ao total da dívida pública estadunidense que colocou o país à beira do calote foi desembolsada em resgates fraudulentos, secretos e muito favoráveis aos destinatários e lesivos ao contribuinte, com cujo dinheiro um banco central “independente” como o Fed financiou toda essa operação. Cabe perguntar: independente de quem?

Conspiração de silêncio
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O escândalo revelado pela auditoria não teve quase nenhuma repercussão nos Estados Unidos. O presidente do Fed, Ben Bernanke, se fez de desentendido e expressou que em momentos como o que se temia o calote nacional o importante era resguardar a credibilidade do Fed e do sistema monetário estadunidense.

Apesar de o GAO ser um órgão de apoio aos trabalhos do Congresso, as reações de representantes e senadores à divulgação foram do mais absoluto e imoral silêncio. Até onde podemos destacar, uma das únicas vozes dissonantes foi a do senador Bernie Sanders, do estado de Vermont. Sanders é uma rara avis, não só no Congresso, como na política estadunidense: é um político que se declara socialista e que foi eleito como candidato independente em aliança com o Partido Democrata, única maneira de superar o asfixiante bipartidarismo imperante nos Estados Unidos. Eleito senador em 2007 com 65% dos votos, uma brisa eleitoral raríssima neste país, foi apoiado por diversos movimentos sociais e pequenas organizações políticas de Vermont. Sanders reagiu duramente quando tomou conhecimento do informe. Transcrevemos a continuação de alguns dos parágrafos mais destacados da declaração emitida pela sua assessoria de imprensa, que praticamente não foi levantada por nenhuma mídia dos EUA, e que diz o seguinte:

21 de julho, 2011.
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“A primeira auditoria integral do Federal Reserve (Fed) descobriu novos e assombrosos detalhes sobre como os EUA disponibilizaram a quantia de 16 trilhões de dólares em empréstimos secretos para resgatar bancos e empresas estadunidenses e estrangeiras durante a pior crise econômica desde a grande depressão. Uma emenda proposta pelo senador Bernie Sanders, a lei de reforma de Wall Street – aprovada há exatamente um ano nesta semana –, havia ordenado ao Escritório Governamental de Prestação de Contas (Government Accountability Office) levar a acabo esse exame. ‘Como resultado de tal auditoria, agora sabemos que o Fed aportou mais de 16 trilhões de dólares em assistência financeira total a algumas das maiores corporações e instituições financeiras dos Estados Unidos e do resto do mundo", disse Sanders. "Isso é um claríssimo caso de socialismo para os ricos e desatado individualismo do tipo salve-se quem puder para os outros”. 
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Esclarecimento: o GAO é uma agência independente e não partidária que trabalha para o Congresso dos Estados Unidos. Sua missão é pesquisar a forma pela qual o governo federal utiliza os dólares de seus contribuintes. O chefe do GAO é o Procurador Geral dos Estados Unidos e é designado por um período de 15 anos pelo presidente a partir de uma lista de candidatos elaborada pelo Congresso. Seu chefe atual é Gene L. Dodaro, que havia sido nomeado pelo presidente Barack Obama em setembro de 2010 e confirmado no cargo em dezembro do mesmo ano pelo Senado.
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Entre outras coisas, a auditoria estabeleceu que o Federal  Reserve “carece de um sistema suficientemente abrangente para tratar de casos de conflitos de interesses, apesar de existirem sérios riscos de abuso nesse sentido. De fato, segundo essa auditoria, o Fed emitiu dispensas de conflito de interesses a favor dos funcionários e contratistas privados a fim de que pudessem manter seus investimentos nas mesmas corporações e instituições financeiras que recebiam empréstimos de emergência”.
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“Por exemplo, o CEO do JP Morgan Chase cumpria funções na diretoria do Fed em Nova York, enquanto seu banco recebia mais de 390 bilhões de dólares em ajuda financeira por parte do Federal Reserve. Além do mais, o JP Morgan Chase atuava como um dos bancos de compensação para os programas de empréstimos de emergência do Fed”.
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“Outro achado perturbador do GAO é o que refere que no dia 19 de setembro de 2008 o senhor William Dudley, presidente do Fed de Nova York, recebeu uma dispensa para que pudesse conservar seus investimentos na AIG (American International Group, líder mundial no campo dos seguros) e na GE (General Eletric), enquanto essas companhias recebiam fundos de resgate. Uma razão pela qual o Fed não obrigou Dudley a vender suas ações, segundo a auditoria, foi porque tal ação poderia ter criado a aparência de um conflito de interesses”.
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“A investigação também revelou que o Fed terceirizava a contratistas privados, como o JP Morgan Chase, Morgan Stanley e Wells Fargo, a maioria de seus programas de empréstimos de emergência. Essas mesmas firmas também recebiam bilhões de dólares do Fed por empréstimos concedidos a taxas de juros próximas de zero”.

Os principais beneficiários desses empréstimos – concedidos entre 1º de dezembro de 2007 e 21 de julho de 2010 – são os seguintes:

Citigroup: $2.5 trilhões Morgan Stanley: $2.04 trilhõesMerrill Lynch: $1.949 trilhõesBank of America: $1.344 trilhõesBarclays PLC (Reino Unido): $868 bilhõesBear Sterns: $853 bilhõesGoldman Sachs: $814 bilhõesRoyal Bank of Scotland (Reino Unido): $541 bilhõesJP Morgan Chase: $391 bilhõesDeutsche Bank (Alemanha): $354 bilhõesUBS (Suíça): $287 bilhõesCredit Suisse (Suíça): $262 bilhõesLehman Brothers: $183 bilhõesBank of Scotland (Reino Unido): $181 bilhõesBNP Paribas (França): $175 bilhõesWells Fargo & Co. $159 bilhõesDexia SA (Bélgica) $159 bilhõesWachovia Corporation $142 bilhõesDresdner Bank AG (Alemanha) $135 bilhõesSociete Generale SA (França) $124 bilhõesOutros: $2,6 bilhões

Total: 16.115 trilhões de dólares.

Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
.Tradução: Gabriel Brito, jornalista, Correio da Cidadania.

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/
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Convocação de todos os Movimentos Populares para o ato do dia 08 no TUCA

Tribunal Popular
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Traga sua bandeira, venha com sua camiseta , boné, broche , para dizer que somos todos Josés e Marias!
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Dia 08 de Agosto temos, todos e todas que lutamos contra o capitalismo, um compromisso marcado com a denúncia das atrocidades sofridas pelos militantes Brasil afora. Nosso compromisso é também de proteger e se solidarizar com tantos "Josés e Marias" que, ainda vivem sob a ameaça constante de ver suas vidas ceifadas em nome das causas que defendem.
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Nas últimas semanas os assassinatos dos companheiros José Cláudio Ribeiro da Silva, Maria do Espírito Santo, ativistas do Assentamento Praia Alta Piranheira, no sudeste do Pará, de Adelino Ramos, o Dinho, líder do movimento camponês de Corumbiara, e outros que continuam acontecendo, escancararam aquilo que ocorre de maneira cotidiana: a perseguição, humilhação, ameaça e repressão aos ativistas sociais em todo o país.
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No campo, trabalhadores sem terras, assalariados rural e camponeses que vivem da extração dos recursos da floresta (como o casal de castanheiros assassinados) sofrem o peso de defender nosso patrimônio natural, nossos recursos, nossa Amazônia, rapinadas pela sangria desatada do capitalismo.
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Mais que isso, indígenas e quilombolas enfrentam toda sorte de perigos levando no peito a batalha histórica pelo mínimo reconhecimento de sua cultura materializados na demarcação de suas terras, no reconhecimento de seus direitos e de sua forma de organização comunitária. Nas cidades, o monstro da especulação imobiliária empunha seu braço armado contra a população pobre e os militantes que se mobilizam na luta por moradia, justiça e melhorias comunitárias. As maiores vítimas nas cidades são os trabalhadores, em especial os jovens negros, assassinados cotidianamente pelas mão dos Estado.
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No país da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, o que tem sido servido à mesa é o sangue de lutadores e lutadoras, porque nesse nosso estado democrático de direito, não temos direito de lutar por nossos direitos, de nos organizarmos contra a injustiça que assola os trabalhadores e trabalhadoras que sorvem seu suor para manter este país.
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O Estado omisso, coadjuvante ou protagonista, e os grandes grupos capitalistas (mineradoras, construtoras, incorporadoras, expoentes do agronegócio, entre outros) que exterminam aqueles que ainda sonham com um Brasil melhor devem ser expostos, denunciados, constrangidos e condenados pela maior violação de todas: aquela que atenta contra a vida com o fim de garantir o lucro.
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No dia 08 de agosto, no TUCA, ergueremos nossas vozes em denúncia e solidariedade, em repúdio aos poderosos e em unidade com os trabalhadores.
Nossa maior riqueza são nossos companheiros e companheiras que se doam todos os dias na construção de um amanhã diferente e esta riqueza não deixaremos que a mão de ferro do capital destrua.
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Todos e Todas à Luta!
Todos e Todas ao TUCA!
Todos e Todas - os que lutam - Somos ameaçados!
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Organizadores:
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APROPUC-SP - Luta Popular – MST - Tribunal Popular - Construção Coletiva - Movimento Indígena Revolucionário-Coletivo 28 de Junho- Coletivo Barricadas-Revista Debate Socialista-ntersindical-CR​ESS-SP-CSP Conlutas-ABEPSS-DAR-Terra Livre-SINSPREV-ENECOS
Tribunal Popular: o estado brasileiro no banco dos réus


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3 de ago. de 2011

Bengazi: A insurreição colorida desagrega-se

por Thierry Meyssan

Neste princípio do Ramadão, a operação militar da NATO na Líbia afunda-se na mais total confusão, observa Alexis Crow. A analista da Chatham House especializada no estudo da Aliança Atlântica foi um dos primeiros peritos de think tanks ocidentais a tratar publicamente do papel da Al Qaida no seio das "forças rebeldes". Hoje ela é a primeira a dizer com uma franqueza brutal: os dirigentes políticos da Aliança abandonaram seus objectivos de guerra, os oficiais e os oficiosos. Eles não têm uma estratégia alternativa propriamente dita, além da procura de uma saída da crise que lhes permita manter a cabeça alta. Como é evidente, já não é simplesmente o estado-maior francês, mas também Londres, que se inquieta por ver as suas forças atoladas na Líbia sem solução à vista.

A "protecção das populações civis" nunca passou de um slogan desligado da realidade. Mas para a NATO não se trata mais de "mudar o regime em Tripoli", nem mesmo de dividir o país em dois Estados distintos tendo como capitais Tripoli e Bengazi. No máximo, Bruxelas espera obter um estatuto de autonomia para alguns enclaves.

Consciente do desastre político-militar, Washington procura uma saída negociada, fazendo saber que não é porque a NATO perdeu a guerra que ela deve cessar seus bombardeamentos. O tempo jogo em nosso favor, afirmam os emissários estado-unidenses, enquanto o Conselho Nacional de Transição esvazia as contas bancárias da Jamahiriya congeladas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Seja como for, se Washington enganou-se e não conseguir restabelecer a situação é porque não compreende nada do comportamento dos líbios. Intoxicados pela sua própria propaganda, os Estados Unidos acreditavam enfrentar uma ditadura centralizada e vertical e descobrem um sistema horizontal e opaco no qual o poder está pulverizado, inclusive o da autoridade militar. Eles encontram-se em diversas capitais com numerosos emissários cuja representatividade não chegam a medir. E na base de tudo, nada compreendem das reacções de Muamar Kadafi, desconcertante, que está – ele também – persuadido que o tempo joga a seu favor.

A estratégia ocidental era simples: aproveitar da normalização da Líbia e da sua abertura económica para constituir uma classe de golden boys e tecnocratas líbios que acabariam por preferir o American Way of Life ao invés do Livre Verde. Uma vez alcançada a maturidade deste processo, a CIA organizou os acontecimentos de Bengazi e a sua deformação mediática. Os franceses e os britânicos foram postos à frente, com o seu discurso humanitário, tendo em vista uma possível acção no terreno que tivesse necessidade de carne de canhão. O Conselho Nacional de Transição foi criado recuperando membros americanizados da classe dirigente, acrescentando velhos exilados organizados pela CIA desde a queda monarquia mais combatente da Al Qaida enquadrados por uma facção saudita.

Se bem que de aparência heteróclita, esta coligação repousa sobre a história comum dos indivíduos que a compõem. A maior parte tem trabalhado para os Estados desde há muito e mudou várias vezes de pertença política ao sabor das mudanças tácticas que Washington lhes ordenava. Muitos são secretamente membros da confraria dos Irmãos Muçulmanos.

Fiel ao Livre Verde, Muamar Kadafi acentou conscientemente esta fractura de classe anunciando a 22 de Fevereiro a dissolução de vários ministérios e a distribuição do seu orçamento em partes iguais entre todos os cidadãos (ou seja, 21 mil dólares por pessoa). Vendo o "Irmão Guia" retomar seu projecto anarquizante, os privilegiados que se enriqueceram durante a abertura económica tiveram medo. Alguns optaram por fugir para o Ocidente com a sua família e o seu pecúlio, outros acreditaram numa vitória rápida da Aliança Atlântica e alinharam-se com o CNT, esperando governar a Líbia de amanhã.

Para realizar esta insurreição colorida, Washington dispunha de uma única carta: a defecção de um dos companheiros de Muamar Kadafi, o general Abdel Fatah Yunes, ministro do Interior. Foi a sua viragem que tornou possível a transformação desta operação de desestabilização política em aventura militar. Ora, o assassinato do general Yunes pelos seus rivais, em 28 de Julho de 2011, provoca o colapso do "exército rebelde" e revela o carácter artificial do Conselho Nacional de Transição.

Existem hoje mais de 70 grupos armados ditos "rebeldes". Quase todos reconheciam a autoridade de Abdel Fatah Yunes, o qual tentava coordená-los. Desde o anúncio da sua morte, cada um destes grupos retomou a sua autonomia. Alguns, que criaram o seu próprio governo, tentam fazer-se reconhecer por Estados membros da coligação – nomeadamente o Qatar – ao mesmo nível que o CNT. Cada localidade tem o seu senhor da guerra que quer proclamá-la independente. Em poucos dias, a Cirenaica "iraquizou-se". O caos é tamanho que o próprio filho do general Yunes, aquando das suas exéquias, apelou ao retorno de Kadafi e da bandeira verde, único meio segundo ele de restabelecer a segurança das populações.

De imediato, basta escutar as intervenções de Muamar Kadafi para compreender a sua estratégia. Enquanto as ruas de Begazi se esvaziaram, gigantescas manifestações populares são organizadas nos quatro cantos da Tripolitania e do Fezzam para apupar a NATO. O "Grande Irmão" nelas intervém por alto-falantes e diálogo com a multidão. Ele explica que uma trégua rápida seria feita em detrimento da unidade nacional, ao passo que o prosseguimento da guerra dá o tempo para deitar abaixo o poder ilegítimo do CNT e portanto para preservar a integridade territorial da Líbia. O coronel Kadafi, que já alinhou consigo as tribos, entende agora alinhar consigo os indivíduos que ainda apoiam o CNT. Nas suas intervenções áudio apela aos seus concidadãos a que se preparem para libertar as cidades ocupadas. Deverão deslocar-se em multidão, sem armas, para retomar o controle dos bolsões "rebeldes" de maneira não violenta.

Muamar Kadafi, que já venceu politicamente o poder aéreo da NATO, pensa poder vencer também politicamente no terreno os "rebeldes".

Nesta situação inextricável, em que a maior parte dos protagonistas não sabem o que fazer, os reflexos substituem o pensamento. Os partidários do Livro Verde entendem aproveitar a fuga dos tecnocratas para retornar aos fundamentos da Revolução; aqueles que, em torno de Saif el-Islam, acreditavam poder casar o kadafismo e a globalização negociam com seus amigos ocidentais; e a NATO bombardeia mais uma vez os sítios que já havia bombardeado ontem e anteontem.

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O original encontra-se em http://www.voltairenet.org/A-Benghazi-l-insurrection-coloree

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/



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