Estamos no ano 2011 depois de Cristo. Toda a França foi tomada por governos não comunistas. Toda? Não! Um município governado por irredutíveis comunistas ainda resiste. A comuna de Ivry-sur-Seine, apenas cinco quilômetros ao norte de Paris e parte da região metropolitana da capital francesa, sobreviveu ao enfraquecimento do comunismo como força política na Europa e ao encolhimento do próprio PCF (Partido Comunista Francês) – ao qual são filiados os prefeitos da cidade desde os anos 1920.
![]() |
Cité Insurrection, uma das primeiras contruções populares, erguida em Ivry em 1927 |
Naquela época, quando os efeitos da Primeira Guerra Mundial ainda eram sentidos, mais de 20 municípios da periferia parisiense aderiram ao comunismo. Formando um entorno sobre a capital da França, essas cidades seriam historicamente conhecidas como “cinturão vermelho” ou “periferia vermelha”. E Ivry, particularmente, é hoje uma das gestões comunistas mais antigas e duradouras do mundo, interrompida apenas pela presença nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Alguns dos elementos para compreender essa longa trajetória comunista se encontram já nas primeiras gestões munícipais. Os fenômenos de transformação urbana e as metamorfoses das comunas que cresciam ao redor de Paris eram uma questão fundamental e exigiam uma resposta administrativa nova na vida política francesa. Para o historiador Emmanuel Bellanger, pesquisador do Centro de História Social do Século XX, ligado à Sorbonne, o fenômeno “contribuiu para radicalizar a expressão política francesa e, em particular, reforçar uma nova radicalidade na periferia de Paris”.
Uma das atividades desenvolvidas pela prefeitura de Ivry foi colônias de férias para crianças |
Em 1925, o relojoeiro George Marrane, membro do PCF, assumiu pela primeira vez a prefeitura de Ivry. Na época, ele já era membro da central sindical CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e fazia parte do conselho de administração do jornal comunista L’Humanité. Foi prefeito da cidade desde então até 1965, menos no período de 1939 a 1945 – quando, em função da ocupação alemã na França, o Partido foi proibido no país. Antes de ser prefeito, Marrane já tinha combatido na Primeira Guerra quando assumiu e foi da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra
Segundo Michèle Rault, chefe do serviço de documentação da prefeitura de Ivry, “Marrane deu prioridade aos principais temas da periferia e, em particular, à questão da habitação, que é importante até hoje”. Um bom exemplo dessa intervenção foi a criação do primeiro conjunto de moradias com aluguel moderado (HLM, na sigla em francês), em 1927, política que se tornou símbolo maior da administração comunista.
Crescimento
Na França, a atividade municipal se intensificou durante as duas guerras, os anos de ocupação nazista e desenvolveu toda sua potencialidade nos chamados “30 anos gloriosos” (1945-1974), período de grande crescimento econômico para a França. Com a libertação e o prestígio adquirido na Resistência, o PCF tornou-se uma grande força por muitas décadas. Como explica Rault, “as atividades para a infância, como as colônias de férias, as atividades esportivas, a educação e o conjunto dos serviços públicos constituem o centro das políticas desenvolvidas em Ivry, no pós-guerra”.
Crescimento
Na França, a atividade municipal se intensificou durante as duas guerras, os anos de ocupação nazista e desenvolveu toda sua potencialidade nos chamados “30 anos gloriosos” (1945-1974), período de grande crescimento econômico para a França. Com a libertação e o prestígio adquirido na Resistência, o PCF tornou-se uma grande força por muitas décadas. Como explica Rault, “as atividades para a infância, como as colônias de férias, as atividades esportivas, a educação e o conjunto dos serviços públicos constituem o centro das políticas desenvolvidas em Ivry, no pós-guerra”.
Outro fator que explica a continuidade dos mandatos comunistas em Ivry é a boa transição entre as gerações de políticos. Durante todo esse período, a cidade contou com apenas três prefeitos. Após Marrane, foi a vez do torneiro-mecânico Jacques Laloë assumir, em 1965. Ele participara da gestão de Marrane como o mais jovem político da França. Laloë exerceu suas funções por seis mandatos, até 1998, quando passou o cargo para Pierre Gosnat, o atual prefeito.
“Gosnat é filho de antigos militantes comunistas, neto de comunistas que foram eleitos em Ivry. Seu pai foi deputado, seu avô era um prefeito-adjunto já na primeira gestão comunista. A gente tem em Ivry uma coesão muito forte, mais forte que em outros municípios comunistas”, enfatiza Bellanger.
Desindustrialização
No entanto, as mudanças estruturais do país, começando ainda nos anos 1960 e se amplificando nas décadas de 1970 e 1980, foram parte da causa do enfraquecimento do partido.
“Um drama enfrentado pelas cidades foi o processo de desindustrialização. Assistimos a uma terceirização da economia e à passagem industrial para uma economia de serviços. Isso tem efeitos importantes, contribui para a pauperização de classes populares que não são formadas para se adaptar ao emprego terceirizado. Houve uma explosão do desemprego em cidades da periferia vermelha”, completa o pesquisador.
Em 1954, a cidade de Ivry – de perfil industrial desde o início do século XIX – tinha 54% de trabalhadores na indústria. Hoje, o setor acolhe apenas 19% da população economicamente ativa. Mesmo assim, Ivry ainda é um importante núcleo industrial da região metropolitana de Paris.
Invasão burguesa
Outro problema que a gestão comunista em Ivry tem de enfrentar também é o fenômeno de “aburguesamento” (também chamado de “gentrificação”) da região. Michèle Rault destaca “a importância de novos segmentos sociais que se formam com a instalação de pessoas com um poder aquisitivo maior. Essas pessoas não têm a mesma relação com o Partido Comunista”.
Uma parte significativa dessa nova população é composta por parisienses que se deslocam para a periferia próxima da cidade em função da explosão imobiliária da capital. O problema da moradia e sua importância na configuração social continua sendo uma agenda importante para a administração comunista. No plano político, segundo o historiador Boullager, “Ivry tem ainda hoje um importante setor popular” e, embora o PCF não tenha mais o monopólio do poder na periferia, o comunismo pode resistir, “nas cidades onde ele faz alianças com forças de esquerda. Eu penso que a unidade de diferentes famílias da esquerda vai ser reforçada pela vontade de barrar Sarkozy nas próximas eleições presidenciais. Essas alianças podem ajudar a reforçar também o comunismo nos municípios”.
“Gosnat é filho de antigos militantes comunistas, neto de comunistas que foram eleitos em Ivry. Seu pai foi deputado, seu avô era um prefeito-adjunto já na primeira gestão comunista. A gente tem em Ivry uma coesão muito forte, mais forte que em outros municípios comunistas”, enfatiza Bellanger.
Desindustrialização
No entanto, as mudanças estruturais do país, começando ainda nos anos 1960 e se amplificando nas décadas de 1970 e 1980, foram parte da causa do enfraquecimento do partido.
Fachada da prefeitura de Ivry-sur-Seine, gabinete do atual prefeito, Pierre Gosnat |
“Um drama enfrentado pelas cidades foi o processo de desindustrialização. Assistimos a uma terceirização da economia e à passagem industrial para uma economia de serviços. Isso tem efeitos importantes, contribui para a pauperização de classes populares que não são formadas para se adaptar ao emprego terceirizado. Houve uma explosão do desemprego em cidades da periferia vermelha”, completa o pesquisador.
Em 1954, a cidade de Ivry – de perfil industrial desde o início do século XIX – tinha 54% de trabalhadores na indústria. Hoje, o setor acolhe apenas 19% da população economicamente ativa. Mesmo assim, Ivry ainda é um importante núcleo industrial da região metropolitana de Paris.
Invasão burguesa
Outro problema que a gestão comunista em Ivry tem de enfrentar também é o fenômeno de “aburguesamento” (também chamado de “gentrificação”) da região. Michèle Rault destaca “a importância de novos segmentos sociais que se formam com a instalação de pessoas com um poder aquisitivo maior. Essas pessoas não têm a mesma relação com o Partido Comunista”.
Uma parte significativa dessa nova população é composta por parisienses que se deslocam para a periferia próxima da cidade em função da explosão imobiliária da capital. O problema da moradia e sua importância na configuração social continua sendo uma agenda importante para a administração comunista. No plano político, segundo o historiador Boullager, “Ivry tem ainda hoje um importante setor popular” e, embora o PCF não tenha mais o monopólio do poder na periferia, o comunismo pode resistir, “nas cidades onde ele faz alianças com forças de esquerda. Eu penso que a unidade de diferentes famílias da esquerda vai ser reforçada pela vontade de barrar Sarkozy nas próximas eleições presidenciais. Essas alianças podem ajudar a reforçar também o comunismo nos municípios”.
Muito interessante essa noção de "unidade de diferentes famílias da esquerda".
ResponderExcluirO PCB vem propondo isso há décadas, e é o mesmo espírito do XIV Congresso, que propõe a Frente Anticapitalista, para além das eleições burguesas.