3 de nov. de 2011

África agora? Por que não?

La Haine - [Juan Gelman, Página 12, Tradução de Diário Liberdade] As tropas do regime estadunidense não são só para se apoderar das riquezas da região: trata-se do sonho imperial de colonizar o mundo inteiro.
 
Não terminava de se findar o estrondo da última bomba que a OTAN despejou na Líbia quando o presidente Obama anunciou a decisão de intervir militarmente outro país africano: Uganda. "Isto é necessário – disse – porque o Exército de Resistência do Senhor (ERS) representa uma ameaça para a segurança regional" (www.whitehouse.gov, 14 de outubro de 2011). Em certo sentido, o argumento é novo: até o presente, a Casa Branca invadia países "em defesa da segurança nacional", a dos Estados Unidos. Esta explicação da operação em Uganda – ao que já se destinou 40 milhões de dólares – põe de manifesto a capacidade de troca que caracteriza o mandatário estadunidense e a amplitude de sua preocupação pelo mundo inteiro.
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Washington enviará uma centena de "assessores militares" para contribuir com o aniquilamento do ERS, uma miniguerrilha de vaga orientação cristã sem base social alguma que cometeu atentados terroristas na zona. Opera desde mais de 20 anos, mas o Departamento de Estado presta agora uma repentina atenção. Esse corpo de elite "permanecerá no país todo o tempo que for necessário", precisou Obama, e a história é conhecida: a intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão começou com pessoal militar escasso e hoje ascende a 100 mil o número de seus efetivos no país asiático. A generosidade do chefe da Casa Branca se somou em outra oferta: está disposto a intervir no Congo e na República Centro-Africana "se esses Estados solicitarem".
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No dia 16 de outubro, dois dias depois do anúncio de Obama, tropas da Quênia invadiram o sul da vizinha Somália por terra, mar e ar com o propósito declarado de impedir que supostos membros da organização islâmica al-Shabaab seguissem violando a fronteira. A Casa Branca manifestou sua surpresa pelo fato e negou que estivesse envolvida, mas os mísseis que causaram a morte de centenas de civis somalis "parecem ter sido disparados desde aviões não-tripulados ou submarinos estadunidenses", segundo The Economist (www.economist.com, 29 de outubro de 2011).
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A França negou sua participação na operação e foi desmentida por um porta-voz militar do Quênia, o major Emmanuel Chirchir, que manifestou que a marinha de guerra francesa havia bombardeado populações somalis (The New York Times, 23 de dezembro de 2011). A Líbia ficou para trás, mas a OTAN é incessante.
Tudo parece indicar que, na realidade, avança a aplicação da estratégia do comando dos Estados Unidos para África (Africom, por sua sigla inglesa). Os EUA perseguem o controle militar das zonas estratégicas do continente negro: Líbia, atravessada pelo Mediterrâneo que banha o Oriente Médio e África; o Chifre da África e a região central africana, que facilitam o controle do Oceano Índico e do Atlântico. Pode-se pensar que a razão deste desígnio é se apoderar das riquezas da região, o petróleo líbio, por exemplo, e as reservas de ouro negro da Somália, ao que parece volumosas. Não deixa de ser assim, mas o jogo é mais amplo: trata-se do sonho imperial de colonizar o mundo inteiro.
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O Pentágono treina febrilmente os militares de Mali, Chade, Níger, Benin, Botsuana, Camarões, República Centro-Africana, Etiópia, Gabão, Zâmbia, Uganda, Senegal, Moçambique, Gana, Malauí e Mauritânia, e realiza com frequência manobras conjuntas com as forças armadas desses países (www.blackagendareport.com, 18 de outubro de 2011). Exerce, assim, uma notória influência nos comandos militares da região e, consequentemente, em seus governos. Os Estados Unidos se converteram em "sócios" da Etiópia e dos cinco Estados da Comunidade da África Oriental. Qualquer nação africana que, como a Eritreia, não mantém uma relação com o Pentágono, é alvo de uma mudança de regime.
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A Casa Branca justifica atualmente a invasão queniana da Somália como parte necessária da chamada guerra antiterrorista em função da insurgência da organização islâmica al-Shabaab, que se levantou contra o governo federal de transição de Mogadíscio imposto em 2009 com o apoio dos Estados Unidos e outros países da Europa para combatê-la. Washington acusa os insurgentes de manter laços com a Al-Qaeda, mas "a maioria dos analistas considera que esses laços são débeis", segundo o Council on Foreign Relations, o think-tank não-partidário sediado em Nova Iorque (www.cfr.org, 10 de agosto de 2011). O CFR estima que o número de combatentes islâmicos ideologicamente convencidos de sua luta oscila entre 300 e 800 indivíduos. Não obstante, al-Shabaab controla boa parte do sul da Somália e obstaculiza assim o domínio geopolítico estadunidense do estratégico território marítimo da África Oriental.
Há cerca de 12 milhões de pessoas com fome na região, castigada pela seca mais dura das últimas seis décadas. Dezenas de milhares morreram e nos próximos meses centenas de milhares conheceriam o mesmo destino na Somália, advertiu a ONU. A invasão militar do Quênia aprofunda, e muito, a gravidade desta situação humanitária.
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Traduzido para Diário Liberdade por Lucas Morais


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