Em seu primeiro mês à frente da presidência da República, as medidas tomadas por Dilma Roussef desvanecem paulatinamente as ilusões quanto ao caráter do seu governo. Em um ambiente internacional marcado pelo aprofundamento da crise econômica, fica claro o papel do governo Dilma: preparar o país para os seus efeitos deletérios, garantindo prioritariamente os interesses do grande capital monopolista. Para tanto, aplicam-se e anunciam-se duras medidas de ajuste tais como privatizações e ataques aos interesses e direitos dos trabalhadores, todas com o intuito de atenuar suas consequências para o capital, mas impingindo aos trabalhadores um custo infinitamente maior.
A primeira medida anunciada por Dilma logo no início de seu mandato é a da abertura do capital da Infraero e a privatização na gestão dos aeroportos. Alegam-se dificuldades do Estado em mobilizar o volume de recursos necessários, cerca de R$ 5,5 bilhões, para modernizar e ampliar os aeroportos, tendo em vista a crescente demanda por passagens aéreas e a execução de reformas que prepararem a infra-estrutura do país para receber a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Indisposta a negociar e debater o projeto com a atenção merecida, expondo sua face truculenta e pouco afeita ao diálogo, pois a aplicação de duras medidas de ajuste não deixam margem para negociação, Dilma avisou que o projeto de privatização da Infraero será encaminhado por meio de medida provisória. Em suas linhas gerais a proposta aponta para uma gestão compartilhada entre Estado e empresas privadas, que passariam a administrar os novos terminais de Cumbica e Viracopos, através de concessão de 20 anos. As principais interessadas e maiores beneficiadas seriam as duas maiores empresas aéreas do país, a Tam e a Gol.
Mais uma vez, como sempre ocorre no Brasil, fato igualmente comum nos governos petistas, o Estado burguês faz cortesia com chapéu alheio, usando dinheiro público para financiar o lucro privado. Afinal, dentre todos os terminais aeroportuários do Brasil, Cumbica e Viracopos representam o filé mais suculento, pois são respectivamente os maiores em volume de passageiros e de cargas. Outro caso emblemático da entrega do patrimônio público para o capital privado é o do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Concluído, será o primeiro do país concedido totalmente à iniciativa privada, cujo investimento de R$ 450 a R$ 600 milhões para a sua construção receberá 80% de financiamento do BNDES.
No bojo dessa onda de ataques patrocinada pelo governo Dilma, inclui-se a decisão tomada pelo Banco Central na primeira reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), em 2011, de aumentar a taxa básica de juro de 10,75% para 11,25% com a justificativa de conter a alta da inflação. Esse aumento na taxa Selic atende aos interesses do capital financeiro, uma das frações hegemônicas da burguesia no bloco no poder. O recurso ao aumento da taxa básica de juro como forma de controle da inflação, além da emissão de títulos públicos indexados pela taxa Selic do BC para retirar dinheiro de circulação, igualmente atendem ao interesse do capital financeiro. Entretanto, levam a um crescimento desmesurado da dívida pública. Esta, em 2010, fechou com a extraordinária quantia de R$ 1,69 trilhão e a previsão do Tesouro para 2011 é que ela atinja entre R$ 1,8 trilhão e R$ 1,93 trilhão. A garantia para o seu pagamento é feita pelo Estado através do superávit primário, ou seja, cortes nos gastos públicos. Para 2011 está previsto um superávit primário de 3,1%, representando um corte de cerca de R$ 60 bilhões no Orçamento. Essa farra faz a alegria dos credores da dívida pública, majoritariamente o grande capital bancário e financeiro nacional cujo poder e influência impõem ao Orçamento Geral da União reservas cada vez maiores que garantam a amortização da dívida, bem como o pagamento de juros e encargos. Em 2010, para um Orçamento de R$ 1,848 trilhões, estavam destinados R$ 777 bilhões, ou 42,04%, para a amortização da dívida. Outros R$ 138 bilhões serviriam para o pagamento de juros e encargos.
O compromisso de privilegiar o pagamento da dívida pública, mantido pelo governo Dilma, resultará na continuação da política de corte dos gastos públicos, principalmente os chamados gastos de custeio como pagamento do funcionalismo, os gastos com a previdência social, com a assistência social e com a manutenção da máquina pública. Esse compromisso só pode ser mantido impondo grandes sacrifícios aos trabalhadores, congelando o salário do funcionalismo público, reduzindo-se drasticamente o alcance e a universalização das políticas públicas e dos direitos sociais, além da ameaça de uma nova onda de reformas regressivas como a da previdência. Neste caso, o Ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho (PMDB), anunciou a necessidade de se fazer uma nova (contra) reforma da previdência sob a surrada alegação de conter um déficit inexistente. Mais do que um debate pautado por gélidos cálculos matemáticos, trata-se, em verdade, de um debate político, em torno de quais classes e camadas da sociedade serão priorizadas na destinação das verbas do Orçamento. O que se pretende, portanto, com essa nova reforma regressiva da previdência, onde previsões sombrias apontam para um aumento na idade e no tempo de contribuição, é garantir o pagamento da dívida pública aos seus credores. Ao mesmo tempo relegam-se a um segundo plano os gastos públicos voltados ao atendimento das necessidades da grande maioria do povo, sucumbindo o governo aos interesses da acumulação capitalista. Além do mais, no caso da previdência, o governo Dilma mantém o seu compromisso em não mexer no fator previdenciário, que reduz as aposentadorias em até 50%, e o reajuste com índice menor para quem recebe benefícios previdenciários acima de um salário mínimo.
Além do mais, se o problema da previdência fosse realmente o seu déficit, a proposta não incluiria a diminuição das alíquotas que as empresas pagam sobre a folha de salários, voltadas para o financiamento da previdência, de 20% para 14%. O objetivo, aqui, é permitir um aumento ainda maior dos lucros das empresas no Brasil, principalmente setores industriais que afetados pela concorrência chinesa e pela apreciação da taxa de câmbio, perdem competitividade. Por outro lado, pesquisa feita com 321 empresas de capital aberto, mostra que o lucro médio cresceu no segundo trimestre de 2010, 39% em relação ao mesmo período de 2009. Em alguns setores esse crescimento esteve muito acima da média, chegando a 87,8% para 38 empresas de energia elétrica e a 83,86% para 26 empresas da construção civil. Esses dados mostram o quanto é falso o debate que atribui à carga tributária a responsabilidade por um suposto fraco desempenho da economia, pois mesmo o crescimento da arrecadação fiscal em 2010, previsto para 34,7%, um ponto percentual maior do que em 2009, não travou o crescimento do lucro das empresas. Desse modo, o debate em torno da desoneração da folha de salários nada mais pretende do que permitir um aumento na acumulação do capital.
O debate em torno do reajuste do salário mínimo é outro bom exemplo sobre como o governo Dilma opta por privilegiar os interesses do capital e dos credores da dívida pública. Como o aumento do mínimo baliza o reajuste de outras categorias, além de atrelar o pagamento dos benefícios previdenciários e do seguro-desemprego, o governo Dilma já avisou às centrais sindicais governistas (CUT, CTB, NCST, CGTB, UGT e Força Sindical), de que o aumento ficará em R$ 545 e não em R$ 580 como pretendem as centrais. Ainda que o debate sobre o assunto carregue consigo uma boa dose de demagogia, pois cálculos do Dieese indicam que, para dezembro de 2010, o necessário para garantir uma vida minimamente digna para uma família trabalhadora seria de R$ 2.227,53, ela é uma boa medida da disposição do governo Dilma de impedir o aumento dos gastos públicos no que tange aos interesses dos trabalhadores, privilegiando no Orçamento Geral da União os interesses dos credores da dívida. O impasse tem causado inúmeros atritos entre a equipe do novo governo e as centrais governistas. Estas têm sido obrigadas a reconhecer a presteza do governo, tanto de Lula como de Dilma, em tomar medidas extraordinárias na defesa dos interesses do capital, relegando a um segundo plano assuntos de interesses dos trabalhadores. Somam-se a essas críticas reclamações quanto a falta de diálogo e de um canal de interlocução mais permanente entre as centrais e o atual governo. Esse é mais um exemplo do modo como Dilma, eleita para aplicar duras medidas de ajuste contra os trabalhadores, será truculenta e adotará uma relação intransigente mesmo com os seus aliados, pois seu compromisso será o de atenuar os efeitos da crise para o capital.
Mas o conjunto de ataques não para por aí. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, principal entidade filiada à CUT e berço do “sindicalismo autêntico”, cujo principal expoente foi o ex-presidente Lula, prepara um projeto de lei que propõe reforma da CLT. Este não consiste em retirar direitos consagrados na Consolidação e no artigo 7º da Constituição Federal, incluindo mecanismo mais sutil de precarização do trabalho. Operando sob a lógica neoliberal da livre negociação, o projeto quer instituir garantias para fazer prevalecer o negociado sobre o legislado, alterando o artigo 618 da CLT. Com isso, a CLT deixa de significar um patamar mínimo sobre o qual devem se assentar as relações de emprego e de exploração da força de trabalho, com as convenções e acordos coletivos ampliando direitos e conquistas. Alegando querer garantir maior segurança jurídica aos acordos pactuados entre trabalhadores e empresas, impedindo que sejam questionados pela justiça do trabalho, um projeto de lei em que prevaleça o negociado sobre o legislado tornará legal a precarização já praticada pelas empresas. Tendo um movimento sindical como o nosso, conduzido em sua maioria por dirigentes pelegos e que operam na lógica da conciliação de classe, não é difícil prever o quão nefasto será para os trabalhadores retirar da CLT o seu papel em assegurar um patamar mínimo de direitos e de impor certos limites à exploração do trabalho pelo capital.
Como vemos, aos trabalhadores brasileiros se impõem inúmeros desafios. Os ajustes programados pela burguesia com apoio do governo Dilma, como forma de lhes atenuar os efeitos da crise econômica mundial, representam uma nova ofensiva do capital sobre o trabalho. Dessa empreitada, porém, também participam setores do movimento sindical que compartilham com o governo Dilma as responsabilidades por essa nova onda de ataques. Diante dessa conjuntura se exigirá do sindicalismo classista e combativo uma resposta inequívoca. Esta passa obrigatoriamente por ver que nosso adversário não é apenas a burguesia e o governo de turno que controla o Estado burguês, mas igualmente setores do movimento sindical que, em nome dos trabalhadores, aliam-se ao capital na aplicação das medidas de ajuste. Para isso, só nos resta um caminho: o da luta e da organização dos trabalhadores pela base, unificando lutas e construindo um programa mínimo capaz de oferecer uma saída classista e anticapitalista que derrote os planos de ajuste do capital.
Campinas, fevereiro de 2011.
*(Membro do Comitê Central do PCB)
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