16 de jul. de 2010

Lembrem-se do Vietistão

A saída do general Stanley McChrystal do comando das forças norte-americanas no Afeganistão destaca não só o quão atolados em conflitos estão os Estados Unidos, mas também pelas semelhanças surpreendentes entre o Vietnã – agora a segunda maior guerra da história dos EUA – e no Afeganistão.

A débâcle de McChrystal dramatiza como o pensamento militar domina a política dos EUA – basta olhar quanto do orçamento o Pentágono controla –, bem como o extremo desespero de não conseguir nada além de amenizar a derrota da ocupação dos EUA no Afeganistão. Esta lição deveria ter sido aprendida depois do Vietnã. Como dizia o jogador de beisebol Yogi Berra, é "déjà vu tudo de novo".


Washington escolheu Hamid Karzai a dedo para ser presidente do Afeganistão. Depois de cumprir um mandato, amado por poucos de seus compatriotas, Karzai vem proclamando publicamente a falta de confiança na capacidade dos seus benfeitores dos EUA em derrotar os enigmáticos talibãs. Disse à imprensa que ele não confiava mais no compromisso dos EUA – na habilidade de vencer a guerra e seu poder permanente. Na verdade, começou a falar – talvez até mesmo negociar – com os próprios fundamentalistas contra os quais as forças armadas dos EUA vêm combatendo há uma década, sofrendo mais de 1.000 baixas e muitos feridos, tanto física quanto mentalmente.


Simultaneamente, para cobrir suas apostas, Karzai finge que é grato pela ajuda generosa de Washington. Chocante? Nunca aconteceu antes? Busque no Google e você encontrará nosso “Karzai” vietnamita.


Paralelo do Vietnã


Na década de 1950, os Acordos de Genebra exigiram uma eleição para presidente no Vietnã. Até Dwight Eisenhower, em suas memórias, admitiu que o líder comunista Ho Chi Minh venceu a eleição com mais de 80% dos votos. Mas, para evitar este resultado, os EUA e alguns aliados da Otan criaram a República do Vietnã do Sul e escolheram Ngo Din Diem como presidente. Entre os defensores de Diem estavam intelectuais da defesa, os neoconservadores da época, bem como o Cardeal Spellman e a família Kennedy.


Diem, um presidente católico de um país budista recém-criado, sabia que devia prestar atenção em seus generais – principalmente os não-católicos – com muito cuidado. Como consultores militares dos EUA instigavam os militares vietnamitas a combater agressivamente os vietcongues (guerrilheiros comunistas do sul), Diem exortou os generais a manter o número de baixas limitado – ou seja, sem empreender nenhuma campanha agressiva.


No início de novembro de 1963, pouco antes do assassinato de Kennedy, alguns generais vietnamitas deram um golpe contra Diem – com a aprovação tácita dos EUA, se não incentivo total – e o assassinaram. Os algozes de Diem se tornaram chefes de Estado, apoiados imediatamente por Washington. Sua viúva, Madame Nhu, culpou o governo dos EUA pelo assassinato: "Aquele que tem os americanos como aliados não precisa de inimigos".


O momento “Diem” de Karzai


Será que Karzai leu a frase de Madame Nhu? Depois de cumprir um primeiro mandato, que deu má reputação à corrupção, Karzai ganhou um segundo mandato em 2009. Como Diem, cuja família recebeu cargos estratégicos, Karzai protege a sua própria. Seu irmão, Ahmed Wali Karzai, comanda uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas no país e conta com uma gangue de capangas. Além disso, segundo o
New York Times, Ahmed Karzai recebe "pagamentos regulares da CIA, desde os últimos oito anos, segundo atuais e antigas autoridades norte-americanas. O NYT também publica que "A agência paga a Karzai por uma variedade de serviços, inclusive ajudando a recrutar uma força paramilitar que opera no Afeganistão sob direção da CIA dentro e perto da cidade de Kandahar, terra de Karzai".

Karzai alternativamente critica e elogia o governo dos EUA (que gasta 6,3 bilhões de dólares mensais para manter a guerra em curso). Ele também provoca Washington, abraçando o alvo supremo da atual campanha de ódio de Washington, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.


Durante a Guerra do Vietnã, algumas empresas dos EUA se deram bem como bandidos de anedota, operando como fornecedores das forças armadas. No Afeganistão, os infames impérios da BP e da Halliburton têm faturado milhões ao prover as necessidades das forças da Otan. Alguns grupos talibãs também compreendem os rentáveis subprodutos de guerra e coletam propinas para não atacar os comboios que transportam suprimentos para as forças armadas do Paquistão.


Enquanto isso, os melhores planos dos generais de Obama ficaram aquém de seus objetivos. O tão apregoado ataque do general McChrystal não ganhou a batalha de Marja. Nem a reconquista de Kandahar aparece nas cartas. Os aliados da Otan estão se cansando. Os holandeses desertaram, e até o bajulador governo de direita canadense sairá em 14 meses. De fato, as forças dos EUA também devem bater em retirada em 2011.


Em 1975, o congresso dos EUA cortou verbas para a Guerra do Vietnã. Aqueles que votaram a favor do corte fizeram a pergunta óbvia: o que os Estados Unidos conseguiram depois de uma década de combate e matança que deixou 58 mil norte-americanos mortos, centenas de milhares de feridos, 4 milhões de vítimas vietnamitas e um país destruído? Muitos agora fazem a mesma pergunta sobre o Afeganistão e voltam com a mesma resposta: não muito.


Descontentamento


A opinião pública dos EUA mostra sinais de cansaço da guerra, embora a maioria não tenha sido diretamente atingida pelo conflito. Eles se cansaram de ouvir e ler sobre isso. Milhões de norte-americanos cantam
God Bless America em eventos desportivos, em homenagem àqueles que estão servindo nas forças armadas. A maioria dessas pessoas não é voluntária ou nem sequer escrever cartas para os soldados.

E, ainda assim, a guerra se arrasta. O indescritível Talibã - íntimo da inteligência paquistanesa e, aparentemente, também de caso com Karzai –aprendeu, como os vietcongues na época, a sumir do mapa quando as tropas norte-americanas se aproximam. Eles evitam a anunciada "batalha decisiva". O velho ditado afegão badala: "invasores estrangeiros podem estar com o relógio, mas nós estamos com o tempo". Os vietnamitas tinham provérbios semelhantes.

Os Estados Unidos nasceram em uma guerra antiimperialista. Temos tido pouco sucesso exportando o nosso imperialismo para os países em desenvolvimento (Vietnã, Iraque, Afeganistão). Mas sofremos a longo prazo os efeitos negativos das aventuras sangrentas. Alguns norte-americanos ficaram permanentemente deformados e aleijados, outros nunca perdoaram ou esqueceram. Os vietnamitas venceram e agora adoram fazer negócios conosco. Mas, aqui, a analogia com o Vietnã acaba. Os iraquianos e afegãos (e muitos no Paquistão também) não vão declarar vitória. Pelo contrário: as famílias das pessoas mortos por tropas dos EUA, por bombas e aviões provavelmente vão cultivar o ódio aos EUA pelas próximas décadas.


*Saul Landau é cineasta, jornalista e escritor, ex-diretor do TNI (Transnational Institute). É também professor emérito da Universidade Estadual da Califórnia em Pomona. Artigo originalmente publicado pelo website do TNI. Tradução: Pedro Aguiar.



Nenhum comentário:

Postar um comentário