21 de mai. de 2011

“Porque haveríamos de matar a galinha dos ovos de ouro?” Sobre o Paquistão e a morte de Bin Laden




A morte de Bin Laden não muda realmente nada excepto, talvez, assegurar a reeleição de Barack Obama, se a economia o permitir.

Cegos pela sede de vingança, os Estados Unidos atacam um objectivo e acabam com a vida de mais um dos seus inimigos. Os seus cidadãos celebram. Os funcionários de George W. Bush dizem-nos que, no fim de contas, isto vem demonstrar que a tortura em Guantánamo dá resultados. A Europa aplaude. E os vassalos por todo o lado, incluindo o presidente do Paquistão, felicitam os EUA pela missão cumprida.
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Tudo isto é um pouco insólito se tivermos em conta que Bin Laden se encontrava num lugar aparentemente seguro, próximo da academia militar paquistanesa, aí tendo residido durante seis anos. Ninguém acredita que isto poderia suceder sem conhecimento dos agentes dos serviços de informação ao mais alto nível. Um deles, com o qual tive um encontro em 2006 e que cito no meu recente livro sobre o Paquistão, confirmou-me que Bin Laden se encontrava no país e sob protecção. A pessoa em questão disse-me que os americanos apenas queriam Bin Laden morto, mas que ao Paquistão interessava conservá-lo vivo. As suas próprias palavras foram: “Porque iríamos matar a galinha dos ovos de ouro?”, referindo-se aos milhares de milhões de ajuda proporcionados ao exército em apoio e armamento. Na altura não estava seguro de que a minha fonte não estivesse a divertir-se à minha custa, desorientando-me ou desinformando-me. Mas, obviamente, estava a dizer-me a verdade.
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Abriu-se no Paquistão um debate acalorado: o seu establishment político-militar será condenado em qualquer dos casos. Se admitem que tinham conhecimento, arriscam-se a ser condenados pelas suas próprias fileiras. Há uma ampla dissidência entre os jovens oficiais e soldados, descontentes com as missões em áreas fronteiriças em que são obrigados a tomar o seu próprio povo como alvo. Se se conclui que os EUA nem sequer se deram ao incómodo de informar os paquistaneses de que estavam a caminho helicópteros para apanhar Bin Laden, ficam expostos perante a opinião pública como dirigentes que permitem que a soberania do país seja violada com todo o à-vontade.

O ex-presidente da CIA, Leon Panetta, disse que a decisão de não informar o Paquistão foi tomada logo de início a fim de não comprometer a operação. Mas as versões têm vindo a alterar-se rapidamente, e nada deve ser tomado bem à letra. Tal como foi revelado por Wikileaks, houve um acordo entre o Paquistão e os EUA segundo o qual o primeiro, embora tolerasse os ataques com drones, se veria na obrigação de os denunciar para evitar que a fúria das populações se virasse contra si. Por outro lado, e dado que no interior da CIA os ISI [serviços de informação paquistaneses] são referidos como uma organização terrorista, pode ser que se tenha gerado o receio de possíveis fugas de informação. Os helicópteros que entraram no espaço aéreo paquistanês poderiam ter feito parte de uma operação de reconhecimento de rotina. O radar paquistanês tem sido bloqueado anteriormente para facilitar incursões aéreas. Desta vez não.
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Fontes fidedignas do Paquistão insistem em que o exército não tinha conhecimento prévio desta incursão. Tendo em conta que o Paquistão não poderia de absolutamente nenhum modo ter considerado aceitável esta operação, o ISI, a ter tido conhecimento prévio teria sem qualquer dúvida empreendido uma acção preventiva, uma vez que é quase seguro que este acontecimento irá afectar a futura ajuda dos EUA. Se o exército paquistanês ou os serviços de informações tivessem estado implicados, teriam sem qualquer problema deslocado o confronto para qualquer local menos embaraçoso, como as montanhas do Waziristão, por exemplo. Ainda por cima porque este acontecimento permitiu tanto à Índia como ao Afeganistão nova oportunidade para recuperar terreno nas suas guerras de propaganda contra o Paquistão.
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A morte de Bin Laden não muda realmente nada excepto, talvez, assegurar a reeleição de Barack Obama, se a economia o permitir. A ocupação do Iraque, a guerra Afgano-Paquistanesa e a aventura da NATO na Líbia parece que irão continuar. A situação entre Israel e Palestina está bloqueada, embora os despotismos do mundo árabe que Obama denunciou se encontrem sob pressão (à excepção do pior deles todos: a Arábia Saudita). 
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No Afeganistão os chefes taliban respirarão aliviados, sabendo que deixarão de ser associados a Bin Laden, mas este assassínio não altera um milímetro a sua situação. Pode ser que os insurrectos não estejam em condições de conquistar Cabul (na realidade nunca o estiveram, nem sequer durante a ocupação russa), mas controlam amplos territórios noutros lugares. Os EUA não podem vencer esta guerra. Quanto mais cedo saiam do país, melhor. E até que o façam continuarão a depender do Paquistão, o aliado que os americanos amam odiar. 
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*Tariq Ali é membro do conselho editorial de SIN PERMISO. 


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