30 de jun. de 2011

Não é a Grécia. É o capitalismo, estúpido!

Atilio Borón

As mídias, as consultorias, os economistas, os bancos de investimentos, os presidentes dos bancos centrais, os ministros de fazenda, os governantes não fazem outra coisa que falar da "crise grega".

Ante tal vozerio mal intencionado, é oportuno parafrasear um exemplo da campanha de Bill Clinton para dizer e insistir que a crise é do capitalismo, não da Grécia. Que este país é um dos elos mais débeis da cadeia imperialista e que é por causa dele que ali ocorre a eclosão das contradições que o está corroendo irremissivelmente.
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O alarma dos capitalistas, sem dúvidas justificado, é que a queda da Grécia pode arrastar outros países omo Espanha, Irlanda, Portugal e comprometer seriamente a estabilidade econômica e política das principais potências da União Europeia.
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Segundo informa a imprensa financeira internacional, representativa dos interesses da "comunidade de negócios" (leia-se: os gigantescos oligopólios que controlam a economia mundial) a resistência popular às brutais medidas de austeridade propostas pelo ex-presidente da Internacional Socialista e atual primeiro ministro grego, Georgios Andreas Papandreu, ameaçam arrojar pela amurada todos os esforços até agora realizados para amenizar a crise.
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A aflição se espalha no patronato frente às dificuldades com que tropeça Atenas para impor as brutais políticas exigidas por seus supostos salvadores. Com toda razão e justiça os trabalhadores não querem ser responsabilizados por uma crise provocada pelos jogadores das finanças, e a ameaça de uma explosão social, que poderia reverberar por toda a Europa, tem paralisadas as lideranças governamentais grega e europeia.
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A injeção de fundos outorgada pelo Banco Central Europeu, o FMI e os principais países da zona do euro não tem feito senão agravar a crise e fomentar os movimentos especulativos do capital financeiro. O resultado mais visível tem sido acrescentar a exposição dos bancos europeus ao que já aparece como um inevitável default grego.
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As conhecidas receitas do FMI, do BM e do Banco Central Europeu: redução de salários e aposentadorias, demissões massivas de funcionários públicos, arrematação de empresas estatais e desregulamentação dos mercados para atrair investimentos tem surtidos os mesmos efeitos sofridos por vários países da América Latina, notavelmente a Argentina. Pareceria que o curso dos acontecimentos na Grécia se encaminha para uma estrondosa queda como a que os argentinos conheceram em dezembro de 2001.
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Deixando de lado algumas óbvias diferenças há demasiadas semelhanças que abonam este prognóstico. O projeto econômico é o mesmo, o neoliberalismo e suas políticas de choque; os atores principais são os mesmos: o FMI e os cães guardiães do imperialismo em escala global; os ganhadores são os mesmos: o capital concentrado e especialmente a banca e as finanças; os perdedores são também os mesmos: os assalariados, os trabalhadores e os setores populares; e a resistência social a essas políticas tem a mesma força que soube ter na Argentina. É difícil imaginar um soft landing, uma aterrisagem suave, desta crise, O previsível e mais provável é precisamente o contrário, tal como ocorreu no país sul-americano.
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Claro que a diferença da crise argentina, a grega está destinada a ter um impacto global incomparavelmente maior. Por isso o mundo dos negócios contempla com horror o possível "contágio" da crise e seus devastadores efeitos entre os países do capitalismo metropolitano. Estima-se que a dívida pública grega alcança os 486 bilhões de dólares e que representa uns 165% do PIB desse país. Mas tal coisa ocorre numa região, a "eurozona" onde o endividamento já ascende os 120% do PIB dos países do euro, com casos como o da Alemanha com uns 143%, França 188% e Grã Bretanha com 398%.
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Não deve ser esquecido, além disso, que a dívida pública dos Estados Unidos já alcança 100% de seu PIB. Em uma palavra: o coração do capitalismo global está gravemente enfermo. Por contraposição à dívida pública chinesa em relação ao seu gigantesco PIB é de apenas 7%, a da Coreia do Sul 25% e a do Vietnã 34%. Há um momento em que a economia, que sempre é política, se transforma em matemática e os números cantam. E a melodia que entoam dizem que aqueles países estão na borda de um abismo e que sua situação é insustentável.
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A dívida grega — exitosamente dissimulada em sua gestação e desenvolvida graças ao conchavo criminoso de interesses entre o governo conservador grego de Kostas Karamanlis e o banco de investimento favorito da Casa Branca, Goldman Sachs — foi financiada por muitos bancos, principalmente na Alemanha e, em menor medida, França. Agora são credores de papéis de uma dívida que a qualificadora de riscos Standard & Poor's (S&P) qualificou com a pior nota do mundo: CCC, isto é, tem crédito sobre um devedor insolvente e que não tem condições de pagar.
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Em igual ou pior posição se encontra o ultraneoliberal Banco Central Europeu, razão pela qual um default grego teria consequências cataclísmicas para este verdadeiro ministro das finanças da União Europeia, situado à margem de qualquer controle democrático. As perdas que originaria a bancarrota grega não só comprometeria aos bancos expostos mas também aos dos países com problemas, como Espanha, Irlanda, Itália e Portugal, que teriam que suportar juros mais elevados que os atuais para equilibrar suas deterioradas finanças. Não é preciso muito esforço para imaginar o que sucederia se os gregos suspendessem unilateralmente os pagamentos, cujo primeiro impacto se daria na linha de flutuação da nave europeia, a Alemanha.
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Os problemas da crise grega (e europeia) são de origem estrutural. Não se devem a erros ou a percalços inesperados senão que expressam a classe de resultados previsíveis e esperados quando a especulação e o parasitismo rentista assume o posto de comando do processo de acumulação de capital.
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Por isso no fragor da Grande Depressão dos anos 30 John Maynard Keynes recomendava, em sua célebre Teoria Geral da Ocupação, o Interesse e o Dinheiro, praticar a eutanásia do rentista como condição indispensável para garantir o crescimento econômico e reduzir as flutuações cíclicas endêmicas no capitalismo. Seu conselho não foi considerado e hoje são aqueles setores os que se apropriaram da hegemonia capitalista, com as consequências pro todos conhecidas.
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Comentando sobre esta crise, Istvan Meszaros dizia há poucos dias que "uma crise estrutural requer soluções estruturais", algo que quem está administrando a crise rechaça terminantemente. Pretendem curar um enfermo em gravíssimo estado com aspirinas. É o capitalismo que está em crise e para sair dela torna-se imprescindível sair do capitalismo, superar o quanto antes um sistema perverso que conduz a humanidade ao holocausto em meio a enormes sofrimentos e uma depredação meio-ambiental sem precedentes.
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Por isso a mal chamada "crise grega" não é assim; é, em lugar disso, o sintoma mais agudo da crise geral do capitalismo, essa que os meios de comunicação da burguesia e do imperialismo asseguram há três anos que já está em vias de superação, apesar das coisas estarem cada vez pior. O povo grego, com sua firme resistência, demonstra estar disposto a acabar com um sistema que já é inviável não no longo mas no médio prazo. Há que acompanhá-lo em sua luta e organizar a solidariedade internacional para tratar de evitar a feroz repressão de que é objeto, método predileto do capital para solucionar os problemas que cria sua exorbitante voracidade.
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Talvez a Grécia — que há mais de 2.500 anos inventou a filosofia, a democracia, o teatro, a tragédia e tantas outras coisas — possa voltar-se sobre seus foros e inventar a revolução anticapitalista do século 21. A humanidade lhe estaria profundamente agradecida.
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Fonte: Vermelho.


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