por José Coutinho Júnior
O governo federal fez o lançamento dos planos agrícolas para a safra  de 2012/2013, tanto para a agricultura comercial quanto para a familiar.  O Plano Safra consiste em uma política de crédito para os produtores  agrícolas e programas de investimento nos modelos agrários empresarial e  familiar. 
O pacote destinado à agricultura familiar recebeu um total de R$22,3  bilhões, sendo R$ 18 bilhões para crédito de custeio e investimento à  agricultura familiar e R$ 4,3 bilhões para programas voltados à  assistência técnica e aquisição de alimentos.
“O plano é fraco”, avalia Guilherme Delgado, doutor em economia pela  Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador aposentado do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
De acordo com o economista, crédito não é suficiente para atender as  demandas do campesinato. “Há uma timidez do governo de apresentar um  plano diferente. Os camponeses precisam mais que sobreviver e precisa  existir incentivos à cooperação. Se for somente dar crédito aos pequenos  agricultores, não há necessidade em se fazer dois planos distintos”,  critica.
“Para existir um plano efetivo, seria necessário um pacote de medidas  de caráter estrutural, que fomentassem a cooperação, a agroecologia, a  agricultura familiar e a infraestrutura das propriedades. Nada disso  está no plano porque não se pensa que essas medidas possam fazer um  diferencial”, acredita Delgado.
Segundo o dirigente do MST, Alexandre Conceição, o principal problema  do plano é que ele reforça a estrutura fundiária concentrada. “A  agricultura familiar só existe porque houve desconcentração de terra e o  surgimento de pequenos produtores capazes de produzir. Nesse sentido, a  Reforma Agrária está completamente esquecida no plano. O agronegócio,  graças ao investimento do governo, continua avançando e expulsando os  produtores do campo”, afirma. 
“O número de pequenos produtores diminui ano a ano graças à política  de fortalecimento do agronegócio. Se o governo não trabalhar na  desconcentração de terras, o crédito vai beneficiar cada vez menos  pessoas. As 186 mil famílias acampadas poderiam dar volume à agricultura  familiar e obter os recursos do plano safra para produzir. Novas  famílias precisam ser assentadas para fortalecer a pequena agricultura”,  propõe o dirigente do MST.
Crédito burocrático para os camponeses 
A burocracia para conseguir recursos é um dos problemas do Plano  Safra. Além de licenças ambientais e jurídicas da propriedade, a  obtenção do crédito passa pelos bancos, que fazem diversas demandas aos  agricultores, sendo a principal delas não estar endividado. 
De acordo com Conceição, “há milhares de famílias que estão impedidas  de acessar recursos, inclusive desse plano, por conta das dívidas  passadas, que não foram renegociadas. É um crédito de difícil acesso  para a realidade dos assentados”.
A maior parte do crédito do plano é destinada ao Programa Nacional de  Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que não atende as  necessidades de grande parcela dos camponeses e não altera a estrutura  agrária brasileira. 
Segundo Delgado, “o Pronaf é uma peça de fomento para setores do  campesinato que tem uma produção mercantil estruturada. É uma tentativa  de integração deste campesinato no modelo de produção do agronegócio”.
A presidenta Dilma Rousseff anunciou, junto com o lançamento do  plano, a criação de uma Agência Técnica e Extensão Rural para  desenvolver pesquisa e tecnologia para a pequena agricultura. 
Conceição considera a medida importante e cobra a participação dos  movimentos. “A construção dessa agência deve ser feita com o conjunto da  sociedade e dos movimentos sociais. Queremos uma assistência técnica  continuada e com recursos, elaborada de acordo com a dinâmica de cada  comunidade”. 
O dirigente do MST pondera que ainda não existe nada de concreto e  coloca a necessidade da formação de técnicos agrícolas, agrônomos e  engenheiros florestais dentro de uma matriz tecnológica distinta do  agronegócio. “É um debate que está no começo e que deve ser feito a  partir das necessidades dos trabalhadores rurais do campo. Essa agência  não pode ser uma assistência com técnicos formados com a lógica do  agronegócio, que chegam para produzir com alta quantidade de veneno e  compra de sementes das transnacionais”. 
Facilidades para a agricultura empresarial 
O plano para a agricultura comercial, cujos beneficiários são  majoritariamente o setor do agronegócio, recebeu R$ 115,25 bilhões.  Houve um aumento de 7% do montante recebido ano passado. Do total, R$  28,25 bilhões serão destinados para investimentos e R$ 86,95 para  financiamento de custeio e comercialização. 
De acordo com Delgado, “o Plano Safra da agricultura comercial vem  para fazer com que o setor primário, caracterizado pela exportação das  commodities agrícolas e majoritariamente ligado ao setor privado, cresça  por meio do investimento público. O crédito rural cresceu muito nos  últimos anos e as políticas de preços mínimos expandiram o setor  primário do agronegócio.”
O pesquisador observa, no entanto, que apesar do orçamento ser o  maior de todos os tempos, há uma queda no ritmo de crescimento. “O  incremento no crédito deste ano apresenta desaceleração. De 2000 até o  ano passado, o crescimento da quantidade de crédito era no mínimo de 9%.  Em 2011, o aumento foi de 13%. Isso mostra que embora a prioridade do  setor primário na economia seja forte, há desaceleração devido ao  aumento dos preços da commodities”.
Dinheiro para especulação
Conceição avalia que não há restrições burocráticas para que os  latifundiários obtenham o crédito, enquanto os camponeses enfrentam  diversas restrições. “O plano do agronegócio tem uma estrutura jurídica e  bancária pronta para os produtores pegarem os recursos e utilizarem da  forma que querem, inclusive renegociando as suas dívidas com os bancos”,  afirma.
Grande parte do crédito alimenta o mercado financeiro, com medidas  como a compra e venda antecipada de safras por terceiro nas bolsas de  valores. Ou seja, recursos públicos entram na ciranda da especulação  financeira. 
“É uma política lamentável do governo, que trata alimentos como  mercadoria, fortalecendo o modelo especulativo. Vai ser uma farra para  os ruralistas durante toda a safra a especulação do eucalipto, da soja,  da cana, do etanol”, prevê Conceição.
“A produção brasileira se baseia em commodities, que servem  justamente para especulação financeira nas bolsas e para enriquecer as  empresas do agronegócio. Depois do anúncio do crédito, é provável que as  próximas safras já tenham sido vendidas, sem que a plantação tenha  sequer começado”, complementa. Para ele, “o Brasil precisa de capital  produtivo para desenvolver o país, e não investimentos no financeiro. É a  produção que faz o país crescer”.
Sem agrotóxicos
O plano destinado aos grandes produtores também conta com programas  que incentivam a produção de produtos orgânicos. O texto do plano afirma  que “é crescente a preocupação da população com a qualidade dos  alimentos e os impactos sociais e ambientais dos sistemas de produção  convencionais. Tem ocorrido um grande aumento na demanda por produtos  considerados limpos, de maior valor nutritivo e produzidos com respeito  ao meio ambiente e com justiça social”. 
Para Delgado, a baixa das commodities leva setores do agronegócio a  ocupar esse filão do mercado. “Há uma busca de nichos alternativos  devido à queda dos preços nas commodities. O setor do agronegócio que  prega a produção de orgânicos começa a ganhar força”, avalia o  economista. 
Dados do plano apontam que o mercado mundial da agricultura orgânica  supera 80 bilhões de dólares anuais. No Brasil, a comercialização anual  de produtos orgânicos é de R$ 500 milhões. 
De acordo com Conceição, a preocupação dos grandes produtores não  está na preservação ambiental, e sim no lucro. “O agronegócio não se  preocupa com o meio ambiente. Estão preocupados com o lucro que a  produção de alimentos saudáveis vai trazer, pois o produto orgânico é  vendido mais caro. É para ter mais lucro e ter o discurso para a  sociedade de que eles produzem de forma sustentável que eles começam a  adotar essas estratégias”, diz o dirigente do MST.   
Ele avalia que o agronegócio quer ter um “discurso sustentável”, mas  não tem condições de mudar estruturalmente seu modo de produção  desmatador, como demonstra a pressão pelas mudanças no Código Florestal.  “Basta ver como o agronegócio produz: grandes extensões de terra,  expulsão dos trabalhadores, monocultivos, veneno e máquinas. Essa  produção não é nada ecológica”, acredita. 


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