22 de out. de 2010

França desperta, de novo, os trabalhadores europeus

Rechaço popular à reforma previdenciária cresce cada vez mais

Jean-Paul Piérot



No momento em que o conflito entre Nicolas Sarkozy e a maioria do povo francês se agudiza, já foi recorrido um longo caminho desde que o governo iniciou seu plano de atrasar por dois anos a idade da aposentadoria. Bastaram poucos meses para que os assaltos propagandísticos que apresentavam o fim da aposentadoria aos 60 anos como uma consequência inevitável do aumento da esperança de vida, fossem desmascarados pela lucidez da opinião pública. Desde o início desse esforço manipulador, os porta-vozes da UMP [partido de Sarkozy] e seus ministros buscaram uma despolitização da contrarreforma, e que dizem querer salvar o sistema pela solidariedade. Precisavam dissimular como fosse, sob a camuflagem do “pragmatismo”, uma ofensiva conservadora.

O sistema de aposentadoria baseado na solidariedade entre as gerações expressa uma maneira de conviver incompatível com o império do “cada um por sí”, um império em que os ricos vivem sob o abrigo de seu escudo fiscal, enquanto a massa dos assalariados teria que trabalhar durante mais tempo para não ver diminuída sua pensão e cair na pobreza.

Tudo bem pensado para fugir do verdadeiro debate: uma discussão parlamentaria por via de urgência iniciada no princípio do verão, a odiosa diversão da qual foram vítimas alguns milhares de ciganos romanos instalados no nosso país. De nada serviu. A direita assiste a sua derrota ideológica a conta do assunto das aposentadorias. Uma ampla maioria de franceses consideram o projeto injusto e ineficaz. O apoio popular às greves, a ampla participação nelas e nas manifestações que vêm ocorrendo desde o começo de setembro vão em um crescente, como refletem as pesquisas de opinião encomendadas pelo l'Humanité: mais de 70% dos franceses apoiam o movimento para a defesa da aposentadoria plena aos 60 anos, diz a primeira pesquisa (CSA, 10 de outubro de 2010); e a segunda, realizada por IFOP, informa que 56% dos cidadãos exigem do presidente da República que abra imediatamente um diálogo com os sindicatos.

"Sarkozy está ferrado, a juventude está na rua" (Sarkozy, t'est foutu, la jeunesse est dans la rue, em francês): essa consigna, repetida mil vezes nas manifestações, desperta péssimas lembranças nas esferas dirigentes da direita. A solidariedade entre gerações foi posta em marcha e, como há quatro anos, durante as lutas que colocaram por terra o projeto de primeiro emprego, aquele contrato de baixa qualidade que pretendia precarizar ainda mais a vida dos jovens à procura de um emprego. Esses jovens que se manifestam agora junto com seus pais têm sido insultados pelas pessoas que rodeiam o chefe de Estado e expostos ao risco de uma explosão de violência com intervenções policiais às portas de vários estabelecimentos escolares. Onde está a vontade de evitar as desordens? Onde se escondem as tentações de provocação? Seria gravíssimo se o governo procure atingir seus objetivos, impondo seu programa de contrarreforma – rechaçada por todos os sindicatos e por uma grande maioria dos franceses – colocando em prática uma estratégia de tensão. Onde estaria, então, o sentido de Estado? O recurso da força contra os adolescentes e contra os trabalhadores das refinarias não é um bom agouro. Em um enfrentamento de tal magnitude, que revela às claras o caráter conservador e anti-humanista do capitalismo e das políticas neoliberais, um governo tão vinculado aos círculos empresariais como o senhor Eric Woerth [ministro de Trabalho de Sarkozy] e a senhora Bettencourt [proprietária da empresa de cosméticos L'Oreal e uma das primeiras fortunas de França], não renunciará facilmente a sua investida contra as aposentadorias, se não capitulando diante da força do número e diante a pertinência das ideias. Uma e outra estão do lado do mundo do trabalho e da juventude.

Jean-Paul Piérot é editorialista do jornal francês L'Humanité

Tradução: Dafne Melo

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